Uma troca de impressões no Facebook recordou-me um texto que escrevi aqui há muito tempo.
Um recorte de um velho Diário Popular fez-me recuar até 1969. Nele se lê que, nesse ano, as lojas passaram a vender um número absolutamente inusitado de calças a mulheres de todas as idades. Nesse fim de década, os costumes não eram o que até aí sempre eram, Paris e as barricadas do Maio de 68 não tinham estado tão longe como a Nova Zelândia.
Mas o que é mesmo curioso é a fotografia e respectiva legenda: «As alunas da Faculdade de Letras já ganharam a sua batalha». Não é dito qual era a batalha nem qual foi a vitória, talvez porque um lápis azul da censura tenha cortado a explicação.
Eu dava então aulas em Filosofia e a prática corrente quanto a indumentária feminina era a seguinte: só às estrangeiras, que frequentavam cursos de língua portuguesa, era permitido usar calças e a triagem era feita pela Sr.ª Clotilde. Várias gerações se lembrarão desta zelosa empregada, sempre presente pelos corredores, movendo-se lentamente dentro de uma bata preta acetinada. Quando avistava pernas femininas revestidas, aproximava-se e perguntava em voz muito baixa: «A menina é estrangeira?». Ausência de compreensão e, portanto, de resposta, era interpretada como afirmativa e a autorização era tácita, mas tinha ordens para pedir às portuguesas que abandonassem as instalações da Faculdade.
Uma parte desse ano de 69 foi animadíssima na Cidade Universitária - como o foi (e de que maneira…) em Coimbra e nalgumas outras faculdades de Lisboa. Foi decretada uma greve e, enquanto ela durou, é óbvio que a Srª Clotilde se recolheu atrás de uma secretária e que toda a gente fez assembleias por todos os cantos, com calças, saias e mini-saias. A famosa greve teve esse benefício colateral: as calças entraram em Letras para sempre e ficaram como direito feminino adquirido. Ou seja, foi ganha a tal batalha que a fotografia do jornal refere sem explicar.
Uma segunda parte da história pode ser lida AQUI.
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