24.3.23

Sobre a felicidade finlandesa

 


«De acordo com o último Relatório Anual da Felicidade Mundial, que avalia a felicidade em 150 países, Portugal está em 56º lugar, o que me parece plausível. A distância que nos separa da infelicidade mais funda é, apesar de tudo, o dobro da que se interpõe entre nós e a felicidade mais alta. Não é uma má classificação, sobretudo se Fernando Pessoa estiver certo quando diz que felicidade é outro nome para estupidez. Se assim for, o 56º lugar é a prova de que somos um povo sensato. Mas o relatório indica que o país mais feliz do mundo é a Finlândia. A Finlândia, notem. O país que, em Janeiro e Fevereiro, tem uma temperatura média próxima de -5°C. Que chega a ter temperaturas inferiores a -20°C. Que, no Inverno, tem dias que duram menos de seis horas. E que, no Verão, costuma ter uma temperatura máxima de 20°C. É a nação cuja língua parece ter sido inventada por alguém que fechou os olhos à frente de um teclado e pressionou teclas aleatoriamente. Um país cuja gastronomia deve ser tão interessante que o prato nacional é pão de centeio. Juro. Não é pão de centeio com presunto, ou pão de centeio com queijo da serra. Não, não. É pão de centeio. Só. Foi eleito prato nacional em 2017. Neste ponto, deixem-me recordar que a Finlândia faz fronteira com a Rússia. Portanto, estamos a falar de um povo que vive num sítio gelado e com pouca exposição solar, em localidades com nomes tão lindos como Jyväskylä, mesmo ao lado de um país conhecido por invadir os vizinhos, e come pão. São as pessoas mais felizes do mundo. Estão 55 lugares à nossa frente. O que é que fizemos do nosso país para que, apesar do sol, do peixe, do vinho, do céu azul, das cerejas, da cabidela, haja gente que é muito mais feliz a almoçar pão ao frio e às escuras ao pé de Vladimir Putin?

Há duas explicações possíveis: ou nós vivemos cada vez pior ou os finlandeses não sabem o que é viver bem. Talvez estejam ambas correctas. Tenho estado atento aos contributos nórdicos para o corpo teórico de sabedoria que conduz à felicidade e não estou impressionado. Sinto-me relutante em aceitar conselhos sobre a vida vindos de civilizações em que o mestre não trata o discípulo por “pequeno gafanhoto”. “Hygge”, o segredo dinamarquês para a felicidade, significa, basicamente, desfrutar dos pequenos prazeres da vida na companhia das pessoas queridas. E “lagom”, o equivalente sueco, consiste em procurar a moderação em tudo. Estes segredos nórdicos têm dois problemas: nem são segredos nem são nórdicos. O único conselho verdadeiramente original para uma vida feliz é, precisamente, o finlandês: “kalsarikänni”. Consiste em ficar em casa sozinho, a beber, em roupa interior. Muito obrigado, finlandeses. Isso não é uma filosofia de vida sábia, é uma quinta-feira normal em casa do meu tio Alfredo. Ele é um praticante de “kalsarikänni” há anos, pelo menos desde que a minha tia Irene fugiu com o personal trainer, e o tio Alfredo continua muito longe de atingir a felicidade. Muito mais sensato e eficaz foi, ao que me é dado ver sempre que a encontro, o método da minha tia Irene.»

.

1 comments:

SCarvalho disse...

E no entanto, os felizardos finlândeses, suicídam-se muito mais que os "infelizes" portugueses. Curioso.