«Não me vou dedicar aos deprimentes episódios do filme do Ministério das Infraestruturas, até porque conheço demasiado bem os dois principais envolvidos. Tenho as minhas convicções, mas elas são irrelevantes. A parte que não é política deste caso será decidida por um juiz e eu não sou juiz. Nem António Costa.
Uma das questões politicamente relevantes ficou resolvida: seja porque o ministro o quis, apesar do adjunto querer “sonegar” durante três meses um documento embaraçoso para o governo e indiferente para ele próprio, seja porque o adjunto avisou que se fosse chamado à CPI teria de falar da sua existência, as notas da reunião entre o grupo parlamentar do PS e a CEO da TAP foram entregues à Comissão de Inquérito. Não tivesse chegado à imprensa, seria um mero desentendimento dentro do gabinete. O que não se resolveu foi o facto de, mesmo assim, o ministro ter deixado escalar o caso até o levar, ele mesmo, para a comunicação social.
A segunda questão é o envolvimento do SIS num conflito interno de um gabinete. Se verá mais à frente se a lei dá cobertura ao que foi feito. Difícil é defender a proporcionalidade nesta decisão perante um adjunto que ficou mais umas horas com documentos classificados que estavam no seu computador há anos e que não só ele conhecia de trás para a frente como terá proposto a sua classificação. E uma coisa não está sujeita a debate: foi o ministro que, em conferência de imprensa, divulgou a utilização do SIS que, como explicou o Presidente, deveria estar sujeita a alguma descrição. Pior: fê-lo envolvendo o primeiro-ministro e ministra da Justiça.
A terceira questão é o facto de, na conferência de imprensa, o ministro ter acabado por desmentir a tese até agora veiculada pelo governo (pelo seu Ministério, portanto) sobre a ida da CEO da TAP a uma reunião com o grupo parlamentar do PS, assumindo que a sugestão fora sua, coisa que, rios de tinta depois, desmente a tese do governo.
Por fim, João Galamba foi incapaz de resolver uma crise no seu gabinete, até se chegar ao que tem sido descrito a um país atónito. A forma como lidou com a pequena crise interna não foi a de baixar a intensidade e resolver as coisas com a descrição possível, foi a de atirar tudo para a ventoinha, parecendo que a prioridade era descredibilizar ou denunciar (cada um escolhe o termo que entender) o adjunto, não era preservar o governo e as instituições da República. A gestão do conflito, primeiro, e de comunicação, depois, foi para lá de desastrosa. Quem não consegue resolver crises num gabinete de poucas pessoas dificilmente as resolverá em várias das enormes empresas que tutela.
Enquanto tudo isto acontecia, os números confirmavam que Portugal liderou o crescimento económico europeu no primeiro trimestre, com poupanças extraordinárias nos cofres públicos. Claro que a festa ignora o estado dos serviços públicos. Claro que este crescimento não se sente na vida das pessoas massacradas pela inflação, salários que não a acompanham e crise da habitação. Repete-se aquela máxima de Luís Montenegro durante a troika, reveladora da forma como se olha para a política e para a economia: “A vida das pessoas não está melhor, mas a do País está muito melhor". Mas, nos critérios ideológicos dominantes, seria um momento extraordinário para o governo.
Desta vez o governo não se pode queixar da imprensa, que só liga a “casos e casinhos”. A fonte inicial de quase todos os episódios caricatos deste caso, no dia das boas notícias económicas, foi o governo. Foi ele que estragou a sua própria festa.
A demissão de João Galamba era tão evidente que nem os mais próximos de António Costa disfarçaram que estava por horas. Não o demitir, perante esta semana louca, seria uma provocação ao Presidente da República. E foi isso mesmo que salvou João Galamba.
Estava convencido que António Costa convenceria, com a dignidade possível, o ministro a demitir-se. Convenceu-o a fingir que se demitia para recusar, repetiu todos os argumentos da desastrosa conferência de imprensa, apontou as baterias para um adjunto sem instrumentos de defesa e, por fim, assumiu um desafio frontal ao Presidente.
Marcelo contribuiu para tudo isto, ao fazer ameaças vazias de dissolução, transformando qualquer cedência do governo numa insuportável derrota. Como João Galamba encostou a cabeça de Costa ao cotelo de Marcelo, o primeiro-ministro tinha de se libertar.
António Costa sabe que João Galamba é e será um problema para si. Como se viu neste episódio. E como ter um ministro neste estado fragiliza ainda mais o dossier da TAP, sempre na berlinda por causa da comissão de inquérito. Não acredito que acredite que isto é sustentável. Mas essa não é a sua prioridade.
Costa quer o tudo ou nada para que, de alguma forma, Marcelo o tem o empurrado: ou o deixa em paz ou marca novas eleições antecipadas, coisa que já tinha dado a entender quando disse que se recandidataria. Está a fazer com Marcelo o que fez com Catarina e Jerónimo: ou baixam a cabeça ou têm uma crise política. A resposta de Marcelo ainda não deixou claro se se fica, mas deu essa impressão. Se se ficar, é ele que fica fragilizado. Se reagir, é ele que provoca uma crise política. E estamos nisto, num país que precisava de adultos a liderá-lo.»
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2 comments:
"Não me vou dedicar aos deprimentes episódios do filme do Ministério das Infraestruturas". Percebo perfeitamente e admiro a capacidade de manter uma elegante reserva sobre o assunto que não merece mais palavras. Ainda assim, eu que não passo de um mortal e de um pecador, vou comentar o texto.
Boas
um país a precisar de adultos a governá-lo.... não poderia estar mais de acordo.
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