12.6.23

O ramo e a árvore

 


«A imagem do ministro das Infraestruturas a ser vaiado nas comemorações do 10 de junho, em Peso da Régua, não podia ser mais ilustrativa da frase dita por Marcelo Rebelo de Sousa: é preciso "plantarmos, semearmos, podarmos e cortar os ramos mortos que atingem a árvore toda”. Claro que a declaração tinha, como acontece com muitas do Presidente, um duplo sentido. Também falava da nossa democracia e do nosso desenvolvimento. Mas é impossível ignorar o outro, mais direto e imediato.

Já ninguém tem paciência para a polémica do SIS e da TAP. Até pode ser injusto, porque ali no meio há coisas graves a ser resolvidas, a bem do respeito por regras básicas do Estado de Direito. Mas exagerou-se de tal forma na dose que já ninguém quer saber de nada que tenha a ver com este tema, sejam coisas irrelevantes ou importantes. Os programas e os noticiários sobre o tema deixaram de ter audiência. Até Luís Montenegro, percebendo que não ganha um voto com esta novela, começou a desmontar a tenda e veio dizer que é importante mas não quer falar apenas disto.

Tenho insistentemente alertado para a perversidade do tratamento obsessivo e monotemático de cada assunto. Ele não aumenta o escrutínio, reduz. Porque cria saturação, confunde o que é e não é importante e leva ao abandono inconsequente de cada caso, quando já ninguém aguenta mais ouvir falar sobre ele.

O facto do assunto ter sido exaurido não quer dizer que se tenha regressado ao lugar onde se estava quando tudo isto começou. Não deu votos ao PSD mas desgastou o governo. As duas coisas juntas não chegam para criar uma crise política. Por isso, todas as sondagens dizem que muito poucos querem eleições. Por isso, dizem que o Chega se reforçou e outras, mais recentes, que o Bloco também está a recuperar voto que perdeu para o PS. O PSD, esse, é que fica na mesma.

A árvore do governo não morreu, ao contrário do que alguns apressados julgam. Porque não há alternativa, porque se sente alguma recuperação económica que, mesmo não chegando às pessoas, alimenta a esperança, e porque a esmagadora maioria dos eleitores, incluindo os que não votaram no PS, não sente que faça sentido ir a votos. Mas todos, menos o próprio, sabem que há um ramo morto. Não há como recuperá-lo.

António Costa usou João Galamba para dar um “chega para lá” a um Presidente que, também ele, abusou na dose. Que, com a absurda especulação em torno de futuras dissoluções, quando tem um governo de maioria absoluta conquistada há um ano, queria ter uma tutela política e constitucionalmente abusiva do executivo. Por vaidade e por não aguentar a pressão de uma direita incapaz de fazer oposição. Tudo isso pode ser compreensível. Mas a escolha, para fazer esta guerra, de um ministro tão irremediavelmente fragilizado num ministério tão extraordinariamente sensível foi arriscadíssima.

João Galamba disse que ajudar o primeiro-ministro era continuar o seu bom trabalho (não faço ideia, ao fim de tão pouco tempo, se o trabalho tem sido bom ou mau), como se as condições políticas para trabalhar fossem indiferentes. Fará ele a ponderação de como quer fazer política. O primeiro-ministro, esse, tem de pensar na árvore. Terá de escolher o momento para remodelar sem parecer, se isso for assim tão importante, que está a ceder ao Presidente. E o Presidente, se quiser realmente garantir a saúde da árvore, pode dar espaço para que essa escolha seja feita sem ser por pressão sua. Todos têm de ajudar a cortar o ramo com alguma dignidade. Até o próprio, se quer ter futuro político.

Nota: Por mais solidariedade que me mereçam os professores, os cartazes com a cara do primeiro-ministro transformado num porco, com lápis enfiados nos olhos, são indignos para quem tem de transmitir aos alunos o "respeito" que tão justamente exigem nas manifestações. Imaginem como qualquer professor reagiria se um aluno o representasse assim. Compreendendo a indignação e o cansaço, mas alguns dos seus alunos têm vidas muitíssimo mais tramadas, desde o dia em que nasceram, e mesmo assim são-lhes ensinadas regras. A dignidade da profissão depende da forma como o Estado a trata, mas também de como os profissionais se dão a respeitar. Como os professores dizem, lutar também é ensinar. Estes cartazes não resultam de qualquer espontaneidade indignada. Foram previamente impressos por alguma organização. Fenprof e FNE demarcaram-se, de forma clara. Já o STOP, apesar do cartaz ser comum nas suas manifestações, recusou responsabilidades (num suposto comunicado que não encontrei no seu site) e acusou Costa de querer desviar as atenções. Acho que ficámos esclarecidos.»

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