«“Há verdades que são mais inverosímeis do que a mentira, mas não vou passar a mentir só porque ela parece mais credível do que a verdade.” Esta declaração feita por Pedro Nuno Santos, na quinta-feira, na comissão parlamentar de inquérito à gestão pública da TAP, é a mais importante declaração política do ex-ministro das Infra-Estruturas e da Habitação, no que se refere à sua credibilização política e ao seu futuro político no país e no PS.
Por mais absurdo que possa parecer o seu esquecimento de que autorizara o pagamento de meio milhão de euros à ex-administradora da TAP Alexandra Reis – “Não tinha memória, no final de um ano, daquela mensagem e da minha participação sobre o montante e a autorização” –, por muito que haja quem nunca vá acreditar que isto aconteceu assim, o facto é que a forma como Pedro Nuno Santos assumiu o erro que cometeu e assumiu a razão por que se demitiu são actos de coragem e seriedade políticas, que mostram que tem o caminho aberto para recuperar o seu papel na política portuguesa.
Perante a pergunta do líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, sobre porque se demitira, o ex-ministro assumiu: “Porque, objectivamente, este processo não correu bem. Há responsáveis políticos e sou eu. De alguma forma, aconteceu sob a nossa égide, e o responsável sou eu. Havia uma indemnização elevada que as pessoas rejeitavam. Não era possível explicar que podia sair mais caro não permitir do que permitir, e a conclusão era que tínhamos de nos demitir.”
A comissão parlamentar de inquérito à gestão pública da TAP irá agora produzir um relatório que será aprovado pela maioria absoluta do PS e que terá as conclusões que a bancada socialista quiser que nele constem, mas, para o país, há uma conclusão que sai da audição de Pedro Nuno Santos: a de que a seriedade na assunção de responsabilidades na política é um factor maior para que os políticos sejam levados a sério pelos eleitores. Mesmo quando essa seriedade revele traços de absurdo como acontece neste caso que envolve Pedro Nuno Santos.
É certo que, nas oito horas de audição, o ex-ministro pode parecer ter fugido a algumas questões e tenha distribuído responsabilidades por muitos. A saber: era Alexandra Reis que tinha de ter a iniciativa de devolver a indemnização quando entrou na NAV – “Essa não é a minha função. Eu não sabia que Alexandra Reis não estava a cumprir. Isso é uma responsabilidade do gestor público.” E até lembrou que a sua nomeação passou pela Cresap.
É claro que Pedro Nuno Santos não quis responsabilizar-se pelo enquadramento jurídico da indemnização, apenas aceitou o valor da indemnização – “Também não é verdade que soubesse de tudo, não acompanhei processo e não conhecia enquadramento jurídico que sustentasse o valor a que se chegou.”
Aliás, é para a TAP que remete a responsabilidade dessa negociação formal das condições da saída de Alexandra Reis da administração, ao assumir que autorizara a presidente executiva da administração da TAP, Christine Ourmières-Widener, a negociar o processo de fim de contrato.
É igualmente verdade que se escudou no facto de ter delegado competências sobre a tutela da TAP no então secretário de Estado, Hugo Mendes. Fê-lo, por exemplo, quando justificou que, se não tinha agenda para receber Manuel Beja, ele deveria contactar o secretário de Estado.
Mas, para além da evidente qualidade e do estofo político que tem, Pedro Nuno Santos demonstrou características que um dirigente, um líder, tem de ter. Convicção e determinação na defesa das suas opiniões e acções, e também que é leal aos seus. Sublinhe-se a forma como se referiu aos dois membros das suas antigas equipas governativas, Hugo Mendes e Frederico Pinheiro.
Fê-lo ao comentar a resposta por email de Hugo Mendes à ex-presidente executiva da TAP, em que aconselha a alteração de um voo de Moçambique para Lisboa para satisfazer um pedido da agência de viagens que tratava das viagens do Presidente da República. “Tenho uma relação com o secretário de Estado para lá daquele email. É um email que não podia ter acontecido, e ele acha o mesmo. Ele é muito mais do que aquele email. Aquele email não o define. Enquanto ministro, faço uma avaliação sobre o todo e não sobre um momento.”
Fê-lo também em relação a Frederico Pinheiro, o ex-assessor que foi demitido pelo ministro das Infra-Estruturas, João Galamba: “Se eu não estivesse satisfeito com o seu trabalho, não teria trabalhado comigo tantos anos. A avaliação que faço é muito positiva: é inteligente, trabalhador e respeitador – pelo que vi no contacto comigo e com os outros. É uma avaliação positiva, muito positiva, aliás.”
E fê-lo até em relação a Alexandra Reis: “Acho que a engenheira Alexandra Reis era um quadro da TAP. Competentíssima, trabalhadora, inteligente. Lamento muito o que lhe aconteceu. Será útil para quem quiser trabalhar com ela.”
Teve ainda a inteligência de não querer emitir “nenhuma opinião sobre a privatização da TAP” em curso, escusando-se, assim, a comentar directamente as opções e a gestão do actual Governo. Mas não deixou de elogiar a escolha de Luís Rodrigues para presidente do conselho de administração e também da comissão executiva da TAP.
E teve o especial cuidado de não beliscar António Costa, chegando mesmo a afirmar que tem ainda uma boa relação com ele e que “nunca” sentiu “falta de solidariedade do primeiro-ministro”. O mesmo primeiro-ministro com quem já vivera o episódio da iminência de demissão a propósito de ter avançado com o despacho para a construção do novo aeroporto no Montijo e em Alcochete, que António Costa o obrigou a revogar.
Pelo que se conclui da audição de quinta-feira, Pedro Nuno Santos pode seguramente ter futuro político, ainda que este caso fique para sempre como uma nódoa no seu currículo.»
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