14.7.23

JMJ: sem dúvida de sombras

 


«Estou com dúvidas sobre qual o evento que vamos receber em breve no nosso país, afinal é a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) ou o Burning Man? Esta semana, Ana Catarina Mendes, a ministra que tutela a JMJ, revelou à TSF estar inquieta com as condições climatéricas que se vão fazer sentir durante os dias previstos para o convívio. Ao que parece, a ideia de o recinto não ter qualquer sombra não foi brilhante. A ansiedade da ministra tem de merecer a nossa complacência: a organização deste tipo de certames implica sempre lidar com imprevistos, difíceis de gerir quando são impossíveis de vaticinar, como fazer sol e calor em agosto.

Há seis meses, o país parou para refletir sobre a moralidade orçamental da pala do altar-palco da JMJ, mas não houve grande celeuma em torno das centenas de milhares de indivíduos que, como não foram elevados a cardeais e não se podem sentar ao lado do Papa, vão torrar ao sol. Ainda tive esperança de que estivessem a acautelar esta situação na sombra, mas não. Há o governo-sombra e há o Governo que não trata atempadamente da sombra. Agora, é improvisar, talvez alterando o nome do evento para Fornada Mundial da Juventude.

É que os participantes são beatos, mas vão aquecer mais do que beatas. Lisboa será invadida por 4 mil autocarros, porém, quem vai ficar com um bronze à condutor de pesados são os peregrinos. Parece-me óbvio que os participantes têm a expectativa de que haja uma sombrinha, já que a última Jornada foi no Panamá. Não sei se plantaram árvores, mas o que não faltam lá são chapéus. Quanto aos voluntários, podem estar descansados. Ainda que não mexam uma palha, ninguém os vai acusar de não terem suado a camisola.

A inquietação de Ana Catarina Mendes não é partilhada pelos responsáveis ao nível autárquico, que talvez considerem que a sombra é sobrevalorizada e, fundamentalmente, um capricho. Filipe Anacoreta Correia, vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa e aparentemente um entusiasta da vitamina D, justificou a ausência de pontos de sombra com o facto de estes prejudicarem a visibilidade. Sou da opinião de que, mais do que árvores, o que prejudica a visibilidade são os desmaios. Quando muito, as árvores até permitem melhor vista, se as soubermos trepar. E muitos dos participantes terão essa destreza, uma vez que são escuteiros.

Nesta altura, a Igreja pouco ou nada pode fazer, até porque a Bíblia é demasiado grossa para ser eficaz como abanico. Ainda assim, tenho genuína esperança de que Sua Santidade já tenha submetido um requerimento junto do superior hierárquico, São Pedro, para que este destaque cinco ou seis nuvens do seu arsenal para a Bobadela. De outro modo, a desidratação generalizada é inevitável e será necessário recorrer a um segundo advento. Se Jesus Cristo transformou água em vinho, seria simpático que regressasse à Terra de 1 a 6 de agosto para transformar vinho em água. Fresquinha, de preferência. Nosso Senhor passava ali numa adega do Cartaxo, convertia as pipas em garrafas de Vitalis e deixava-as em Loures. Se tal não for possível, pelo menos que se abstenha de transformar o que quer que seja em moscatel quente.

Construir um extenso parque sem sombra é péssimo para os residentes que se espera virem a usufruir dele. Na verdade, provavelmente ninguém lá vai pôr os pés no futuro. A Jornada dura seis dias e o Parque Tejo vai descansar ao sétimo. Em Portugal, a infraestrutura é pensada como se se tratasse de uma máquina de gelados que compramos para casa. Usamos uma vez para uma ocasião especial, passados uns meses nem nos lembramos que existe.

Temos uma grave carência de espaços verdes onde seja agradável passar tempo. Quem governa deve ter alergias polínicas, mas a culpa também é nossa. Neste país, o Jardim com mais popularidade de sempre continua a ser o Alberto João. Quando um português pergunta “onde é que há um parque aqui perto”, não está à procura de um terreno arborizado e ajardinado, habitualmente só quer estacionar o carro. Sobretudo, esta opção para o recinto da JMJ demonstra enorme ingratidão para com a botânica. Não vamos plantar árvores para receber o Papa quando devemos toda a nossa relevância junto da Igreja Católica a uma azinheira?»

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