«A ideia que António Costa quer passar de que as pessoas não querem saber dos "casos e casinhos", sejam eles a simples falta de competência de membros do governo, seja o amiguimismo e o carreirismo que conduzem à corrupção, é altamente perigosa para a Democracia. Quando o chefe do governo entende que não deve explicações a ninguém, porque tem uma maioria absoluta no Parlamento, quando se julga dono absoluto da verdade, como se ela pudesse ser avaliada apenas de quatro em quatro anos, está a defender que os fins justificam os meios.
Não será muito difícil estabelecer um consenso sobre o que são as prioridades dos portugueses: ter emprego, ganhar um salário justo e receber do Estado a justa compensação pelos impostos que pagam. Nessa compensação estão o SNS, a escola pública e a Justiça. O primeiro-ministro entende que cumpridas as justas expectativas dos portugueses, o seu governo fica de mãos-livres para fazer o que entender com a máquina do Estado e ficará livre também de explicar o que quer que seja quando for apanhado numa história mal contada.
Por exemplo, se os portugueses, todos os portugueses, tivessem médico de família, depreende-se das palavras de António Costa que Miguel Alves ainda poderia ser seu secretário de Estado-adjunto, apesar de ter feito um adiantamento de 300 mil euros para um negócio que nunca conhecerá a luz do dia. Se o ensino público voltasse a ter a excelência que noutros tempos teve, Alexandra Reis poderia receber meio milhão de euros enquanto transitava da TAP para a NAVE. Se a Justiça fosse célere, Carla Alves poderia continuar na secretaria de Estado da Agricultura, de onde saiu porque tinha contas arrestadas por causa de um processo judicial envolvendo o seu marido e a própria secretária de Estado.
Já lá vão 14 exonerações e muitas delas nunca tiveram uma explicação plausível em relação aos factos que as determinaram. Durante todo o seu tempo de vida, acreditando nas palavras do PM, este governo de maioria absoluta esteve "concentrado naquilo que importa à vida dos portugueses". António Costa vai mais longe e garante haver uma grande distância entre o que pensam os comentadores e os partidos da oposição e o que pensa o comum dos portugueses. Para fazer a vontade a uns, não pode fazer a vontade aos outros. Não resolve os problemas de descoordenação do governo e não melhora a base de recrutamento para o governo e a sua fiscalização, fazendo a vontade aos comentadores, porque está muito ocupado a resolver os problemas dos portugueses. Dizer isto assim tem o óbvio risco de ter de ouvir como resposta uma outra pergunta: se não comenta os casos do seu governo, porque está a resolver os problemas dos portugueses, então por que é que os problemas dos portugueses não são resolvidos?
O primeiro-ministro, querendo ficar acima das questiúnculas terrenas, informa-nos que se dedica "pouco à análise política" e "mais à governação", como se não fosse competência sua garantir a qualidade das pessoas que são recrutadas para o governo. Como se governar bem fosse apenas apresentar bons resultados na economia. Como se não fosse obrigação de todos nós defender a Democracia exigindo ética republicana no exercício de cargos públicos. O pior que podemos fazer é render-nos ao bordão político "rouba, mas faz".»
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