4.8.23

Uma sala de espera à beira-mar plantada

 


João Fazenda

«Nove anos depois, soubemos finalmente que o caso BES vai a julgamento. Já só falta saber quando é que o julgamento começará, quando será proferida a sentença, quando será interposto o primeiro recurso e quando é que a sentença final transitará em julgado. Portugal não é bem um país, é uma sala de espera. Se eu mandasse, os quiosques só podiam vender revistas antigas. Não tem sentido estarmos numa sala de espera a ler revistas novas. Faz parte do encanto da sala de espera recordar em 2023 que, em 2009, Joaquim contratou Alice como tratadora de cavalos no 265º episódio de “Feitiço de Amor”. O facto de haver revistas novas em circulação distrai-nos do facto de estarmos numa sala de espera de 89 mil quilómetros quadrados, sem contar com as regiões autónomas. É uma excelente sala de espera, espaçosa, arejada, com uma linda vista para o mar — mas é importante não esquecer que se trata de uma sala de espera.

O funcionamento da sala de espera é ligeiramente diferente do habitual: Portugal não tem um sistema de senhas, mas talvez seja possível dizer que tem um sistema de sanhas. As pessoas começam por se irritar com a demora, mas a partir de certa altura a irritação vai diminuindo, até porque ninguém consegue aguentar uma sanha durante décadas, sobretudo por razões cardiovasculares, e depois acaba por passar. Já não sei o que fiz à sanha do processo BES, nem à do processo Marquês, nem à do processo da decisão da localização do novo aeroporto de Lisboa. Tenho uma vaga ideia de em tempos ter estado assanhado com todos esses processos, mas entretanto esqueci-me. Pode ser uma estratégia a adoptar pelas salas de espera dos consultórios médicos: um paciente entra com uma dor, aguarda na sala de espera até que a dor passe, e no fim volta para casa. É mais ou menos o que se passa, uma vez que também estamos à espera da resolução do problema dos tempos de espera. É uma mise en abyme de esperas que confere ao fenómeno o estatuto de obra artística. A UNESCO devia olhar para isto e atribuir-lhe a denominação de Património Imaterial da Humanidade. Até pela complexidade da situação: em Portugal há tempos de espera intermináveis e ao mesmo tempo é tudo feito à pressa. Não é fácil conciliar ambas as características — e, no entanto, nós conseguimos.

Entretanto, Ricardo Salgado, que tinha 70 anos quando o BES faliu, vai fazer 80 em Junho do ano que vem. Parece evidente que, de acordo com a lei natural das coisas, que é das poucas leis que ele não conseguirá deixar de cumprir, Salgado não estará cá para assistir ao final do seu julgamento. Talvez isso possa contar como uma pena, uma vez que não lhe será aplicada nenhuma outra. É uma espécie de pirraça legal: o réu morre mas o processo que o envolve segue, viçoso, cheio de vida, a fazer-lhe inveja. Vamos esperar para ver. Até porque não nos resta fazer outra coisa.»

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