6.12.23

A crise de regime aprofunda-se

 


«O que faremos se amanhã a Procuradoria-Geral da República decidir, a bem da transparência, emitir um comunicado que termine, mais ou menos, com o seguinte parágrafo: “No decurso das investigações, surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Presidente da República e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto supra-referido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente”?

Estamos neste lugar frágil e incerto em que já nada parece aguentar-se, nem o centro nem o topo da pirâmide. Ver Marcelo Rebelo Sousa naquela sala despida é ver a fragilidade da democracia, feita por homens que erram, mesmo quando com a melhor das intenções querem ajudar duas meninas doentes ou desbloquear um investimento importante para o país.

Marcelo errou. Errou quando disse que não se lembrava do email do filho, erra quando diz que o filho é um cidadão como outro qualquer, erra quando diz que “espera” que o filho não tenha invocado o seu nome e não se certifica de que isso, de facto, não aconteceu. É muito difícil não acreditar que, desde o início, o Presidente da República não se tenha apercebido de que este caso o poderia fragilizar politicamente. Marcelo sabe mais, mas tem agido como se não fosse assim, como se as altas taxas de popularidade o defendessem do juízo severo que é aplicado à generalidade da classe política e que ele mesmo tem aplicado ao Governo.

O Influencer não foi o começo disto tudo, foi só a continuidade de uma sociedade que cada vez mais aplica uma grelha de exigência aos políticos a que a maior parte dos seus cidadãos não se sujeitaria. Tudo pode ser crime, tudo pode ser alimento para horas intermináveis de comentário e para declarações gongóricas. Adensa-se um clima de populismo e justicialismo que a cada dia vai cavando mais fundo o fosso artificial entre o “nós” e o “eles”. É um deleite para os infalíveis das respostas simples para problemas complicados, que esfregam as mãos, pensando que já nada têm de fazer porque está instalado o ambiente em que as suas ideias costumam medrar.

Quem ama a democracia tem de estar preocupado e deve estar preparado para defender o mal menor. Quando se vê um Presidente ser interrogado sobre se está ou não em condições de prosseguir o seu mandato depois de um Governo ter caído, há que ficar em sobressalto e em alerta para o que aí vem. Não porque se queira evitar que os políticos paguem devidamente pelos seus erros, mas porque os homens que erram são infinitamente melhores do que aqueles que se apresentam como infalíveis.»

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