«Fazer campanha acusando o PS de ter sido governo em 21 dos últimos 28 anos é correr o risco de estar a lançar um boomerang. Não parece grande estratégia estar a dizer que se respeita a vontade do povo para logo a seguir dizer que o povo não sabe escolher. Reparem que é suposto o povo ter memória, sabendo que os seis anos de Guterres terminaram com um pântano e os seis de Sócrates com um resgate mas, ainda assim, reconduziu no cargo uma vez estes dois chefes de governos socialistas. E, mesmo com essa memória, achou por bem reconduzir António Costa duas vezes e presentear o PS com mais uma maioria absoluta, que acabou como acabou.
O povo lembra-se de tudo isto e perdoa, como perdoou à Direita ter deixado o governo de pantanas quando trocou Durão por Santana numa maioria PSD/CDS e, anos depois, colocou Passos Coelho e Paulo Portas a governar. Lembrar que, nas últimas três décadas, os socialistas estiveram no poder 3/4 do tempo pode, por isso, ser visto também como uma autocrítica. Afinal, se o povo não renova o poder à Direita, mas dá sempre segunda ou terceira chance à Esquerda, em alguma coisa a Direita estará a falhar. Talvez, as pessoas lhe estejam a dizer que não esquecem, e têm dificuldade em perdoar, a insensibilidade social. Querer cortar salários e pensões de forma permanente (afinal, não era uma necessidade absoluta) para pagar a dívida ou deixar 300 mil desempregados sem um euro de apoios sociais, porque nas contas da Troika essas pessoas eram proprietárias -- eram, mas tinham de pagar a casa ao banco --, parece que estão a pedir ao povo que vote noutro partido.
A Direita deve concentrar-se naquilo que o povo sente ser responsabilidade de quem governou o país nos últimos oito anos. Ao PS de António Costa deve ser imputada a má gestão na Saúde e no Ensino, afinal, duas áreas onde se espera que o Estado seja capaz de fazer mais e melhor. Insistir que os privados são uma bala de prata para resolver estes assuntos, anunciando desde já que pretendem estabelecer "um novo contrato social que una sector público e privado", é dar à Esquerda o argumento de que a Direita quer "privatizar" as funções sociais do Estado, sistema de pensões incluído. Se a promessa da Direita não é fazer mais e melhor com o dinheiro que é destinado ao SNS então está a dizer-nos uma de duas coisas: vai manter as verbas do SNS e gastar mais dinheiro (igual a mais impostos) para pôr os privados a fazer o que o público não consegue fazer ou vai tirar do SNS para pôr os privados a fazerem o que o público já faz.
Num país com quatro milhões de pobres antes de apoios sociais, ter mais de três milhões de pessoas com seguro de saúde, mesmo se na maior parte dos casos são as empresas que o fornecem, ou 20% dos alunos no ensino privado, o que acaba por gerar mais desigualdade é o desinvestimento no SNS e na escola pública. Soluções como o cheque-ensino servem apenas para cortar nas despesas das classes média e média-alta, não melhoram o ensino. Mesmo os seguros de saúde servem para o penso rápido, consultas e actividade hoteleira nos internamentos, na maior parte dos casos, não servem para resolver os problemas de saúde graves. Nessa altura é o SNS que opera os milagres.
A Direita tem um trunfo eleitoral que não parece capaz de assumir: a ideia de que é mais competente a gerir os serviços públicos. A resposta não se pode resumir a chamar os privados, tem de ser capaz de ir para lá dessa ladainha.»
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1 comments:
"...mas dá sempre segunda ou terceira chance à Esquerda,..."
Lamentavelmente, nos meus 68 anos de vida ainda não tive o privilégio de ter visto/sentido a Esquerda a governar!
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