22.12.23

O país dos brandos radicalismos

 


«Assim dá gosto. Um cidadão lê os jornais e verifica que os dirigentes dos principais partidos se comportam com um sentido de responsabilidade irrepreensível. No congresso do PSD, Luís Montenegro disse “agora o PS é radicalismo”. E acrescentou, referindo-se a Pedro Nuno Santos: “Deus nos livre de ter um radical à frente do Governo.” Mas Pedro Nuno Santos, mais ou menos na mesma altura, disse que, caso o PSD vença as eleições, “liderará um Governo mais radical do que o de Pedro Passos Coelho, porque estará dependente de um projecto bem radical” da Iniciativa Liberal. Quem costuma aborrecer-se com o chamado centrão fica a saber que ambos os partidos do centro são, afinal, radicais, e talvez se anime. Mas não é esse o motivo da minha satisfação.

Eu estou contente porque, em 2015, antes das eleições legislativas, António Costa anunciou que o PS era o único partido que podia pôr fim ao radicalismo da coligação PàF, composta por dois partidos “disfarçados de avozinha” mas que eram, na verdade, “dois lobos maus”. Mas, ao mesmo tempo, Passos Coelho acusava Costa de ser menos prudente do que os “socialistas europeus mais radicais”, Paulo Portas via “muitos eleitores socialistas (…) perplexos e incomodados com tanto radicalismo e com tanto esquerdismo” do PS, e José Pedro Aguiar Branco dizia de António Costa que “a aparente simpatia” tinha dado “lugar a um inaceitável radicalismo”, e concluía que “ao pé dele, Jerónimo Sousa parece um moderado”. Ou seja, passaram oito anos e decorre ainda o renhido campeonato de moderação que consiste em detectar e denunciar indícios de radicalismo no adversário. Quem tenha tido um acidente em 2015 e só acorde agora fica com a sensação de que não perdeu nada, o que é óptimo. Não é preciso estar a explicar à pessoa que, tal como o país, perdeu oito anos de vida mas continua na mesma.

É excelente para todos. Estamos como em 2015. Sentimo-nos jovens e a viver num país cujo problema central é descobrir se os partidos que disputam o eleitorado de centro são radicais. Proponho que, tendo em conta que a campanha eleitoral é a mesma, o material de propaganda também seja. Os mesmos estribilhos, os mesmos cartazes, os mesmos tempos de antena. Heráclito disse que ninguém poderia banhar-se duas vezes no mesmo rio porque o Tejo, o Mondego e o Douro não passam em Éfeso. Se Heráclito tivesse vindo a Portugal saberia que é possível uma pessoa banhar-se exactamente na mesma água ao longo de oito anos seguidos. E é fácil perceber que é exactamente a mesma água porque é sempre turva.»

.

0 comments: