17.12.23

Pedro Nuno Santos: não é virar a página, é colar as páginas

 


«Sérgio Sousa Pinto, um dos notáveis socialistas que estiveram contra a "geringonça" de 2015, terminou o seu texto no Expresso em que manifestou o seu apoio a Pedro Nuno Santos com a seguinte frase: “Por mim, estou com o virar de página.”

Sim, as directas do PS confirmaram o “virar de página” — na verdade, a não-eleição de Pedro Nuno Santos é que seria uma surpresa. O caminho estava feito e as acusações de “radicalismo” e “da não preservação da autonomia estratégica do PS” não colaram porque não eram credíveis: as pessoas que as exprimiram estiveram todas com a "geringonça" de 2015. Sérgio Sousa Pinto, como é mauzinho, chamou “bonzos” a quem, depois de ter ascendido a altos cargos com a "geringonça", criou toda uma nova teoria política para se opor a Pedro Nuno.

Mas vam’laver, como diria António Costa: a tarefa de “challenger” de José Luís Carneiro era praticamente impossível. Pedro Nuno Santos preparou meticulosamente o caminho para aqui chegar. Carneiro, como o próprio já disse, começou a pensar no assunto depois da polémica da indemnização da antiga administradora da TAP Alexandra Reis. Não há milagres e mesmo assim José Luís Carneiro registou um resultado bom para as circunstâncias. Mais ninguém quis avançar contra Pedro Nuno, entre os outros potenciais futuros sucessores, porque toda a gente sabia que “les jeux sont faites”.

E agora o que se segue? O “virar de página” com que sonha Sérgio Sousa Pinto, que, como o outro crítico da "gerigonça" Francisco Assis, foi afastado de cargos de topo no PS durante todo o tempo do costismo?

Não vai ser fácil o “virar de página”. Primeiro, o PS é o PS. Costa virou a página em relação a Seguro, criando uma narrativa de esquerda e alianças à esquerda, mas os tempos eram outros. E, muito importante, foi uma campanha de oposição a Seguro e o secretário-geral derrotado saiu de cena.

Se a moção de Pedro Nuno Santos revela diferenças com o Governo em funções, nomeadamente o uso dos excedentes para investir nos serviços públicos, em vez de os colocar no “cofre Medina”, e a devolução do tempo congelado a todas as carreiras da função pública, desta vez não é possível mudar páginas de repente.

Como é que se “vira a página” com um primeiro-ministro demissionário que tem também o seu destino político ligado ao resultado do PS a 10 de Março? Não se vira. Nem provavelmente é útil virar. Se, por um lado, António Costa pode impedir a afirmação política do novo secretário-geral, a verdade é que, a três meses das eleições, Costa – apesar dos 78 mil euros encontrados na sala do seu chefe de gabinete – é um activo eleitoral. E mais: quem vai a votos não é só o novo líder do PS, mas também António Costa e o seu legado.

Essa ideia de que Costa continua a ser um activo (da mesma forma que José Sócrates não o era) está ainda presente no eleitorado do PS. Se não achassem isso, Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro não se preocupariam em afirmar-se “herdeiros”.

Não haverá um virar de página óbvio nem imediato. Para o bem ou para o mal, são os oito anos do Governo PS que vão a votos. Uma vitória de Pedro Nuno Santos é uma vitória de António Costa. Uma derrota de Pedro Nuno Santos é uma derrota de António Costa. Não há como fugir ao “colar das páginas”.

O normal seria que o PS perdesse as próximas legislativas, tendo em conta a teoria dos ciclos políticas e da alternância. Mas, apesar de Luís Montenegro ter dado a ilusão de um novo impulso, com um discurso de encerramento do Congresso a falar para o eleitorado que o PSD perdeu (e até a elogiar a subida do salário mínimo, coisa notável, para falar ao eleitorado do centro), desapareceu depois.

Montenegro não aproveitou o embalo do Congresso para marcar a agenda, que foi nas últimas semanas exclusivamente dominada pelo PS, com uma mobilização grande dos militantes.

Ou seja, o PS pode ganhar as próximas legislativas — e a questão de o PSD só poder fazer alianças à direita se incluir o Chega, como mostram as sondagens, vai ter impacto.

Pedro Nuno Santos e António Costa nunca foram amigos íntimos. Tratam-se por “você”, o que é raro no PS, mas que o fosso geracional justifica. Nos últimos tempos, passaram mesmo a ser “inimigos íntimos”, uma categoria pouco estudada, mas que existe na política e na sociedade em geral. A desconfiança mútua marcou os últimos anos. Agora, inesperadamente, o sucesso ou insucesso de um é o sucesso ou insucesso do outro.»

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