5.1.24

A arqueologia do 25 de Abril e a esperança de uma nova oportunidade

 


«Na sua mensagem de fim de ano, Marcelo Rebelo de Sousa falou da importância do início do próximo ciclo de 50 anos desde o 25 de Abril de 1974.

Tem razão o Presidente da República!

Sobre o 25 de Abril é mais relevante o que falta fazer do que aquilo que já está feito.

Há uma certa tendência de alguns partidos políticos para falarem, sobretudo, das conquistas de Abril, esquecendo o que está por cumprir.

Nestes cinquenta anos que passaram sobre Abril de 1974 há conquistas que, em princípio, e sublinho, em principio, já ninguém nos tira.

A liberdade individual, pois claro, a liberdade de imprensa, a liberdade sindical, o fim da polícia política, a liberdade de associação e reunião, a construção de um edifício institucional que é hoje o pilar da nossa vida política, a sedimentação de uma realidade constitucional que nos protege a todos enquanto cidadãos e que garante os nossos direitos e deveres colectivos. É aquilo que, sendo decisivo, é de certo modo, a arqueologia do 25 de Abril.

Contudo, mais importante, é o que Abril de 1974 ainda não conseguiu. Era suposto que passados 50 anos sobre a icónica data não fossemos mais um país pobre, envelhecido e sem futuro à vista. Mas, hoje, um quinto dos portugueses vive fora de Portugal. Os jovens procuram emprego no exterior para terem um vencimento decente. Divergimos dos países da Europa Ocidental há vinte anos.

Deveríamos hoje, estar ao nível dos países mais avançados da União Europeia. Sim, deveríamos ter a pujança de uma Bélgica, a felicidade de uma Dinamarca, o desenvolvimento económico de uma Irlanda, ou, para sermos mais modestos, estarmos, pelo menos, ao nível da Espanha. Nada disso aconteceu. E tivemos todas as ferramentas para o conseguir.

A União Europeia “abriu os cordões à bolsa” com fundos europeus que, desde os anos 80, anualmente, corresponderam a cerca 3% do PIB nacional.

Portugal recebeu cerca de 130 mil milhões de euros de ajudas comunitárias desde que aderiu à União Europeia até ao início de 2023.

Até 2030, o valor da “bazuca”, lembram-se do termo, será de cerca de 57 mil milhões de euros. E, até 2026, nos cofres do Estado vão ainda entrar 22 mil milhões de euros. Não nos podemos queixar, então, de falta de dinheiro. O problema é saber se ele foi bem aplicado. E qual o resultado dos cerca de 380 euros por português, recebidos da União Europeia, desde 2014 até 2020?

Falta, assim, que Abril cumpra o que é mais vital para a vida das pessoas. Ou seja, o crescimento económico que nos possibilite estar ao nível dos países mais desenvolvidos da União Europeia, como os atrás mencionados.

Seguramente, que se recordam da famosa canção revolucionária de Abril de 1974/75 quando se gritava, a plenos pulmões: “Só há liberdade a sério, quando houver, a paz, o pão, habitação, saúde, educação."

Pois bem, acham os caros leitores, em consciência, que está garantido para a esmagadora maioria dos portugueses, aqueles cinco itens do desenvolvimento social e económico? Paz, felizmente, que temos. Portugal é, actualmente, um dos países mais seguros da Europa, senão do mundo. Mas que dizer do pão, com o aumento da pobreza! Ou o que pensar da habitação onde não garantimos, ao longo de décadas, as condições de mercado, cooperativas, públicas, para que houvesse no país uma oferta de habitação para todos e, sobretudo, para os mais jovens. Ou a saúde, que teve um importante incremento no pós 25 de Abril e que hoje vemos ir, “por água abaixo”, com uma degradação acentuada dos serviços prestados. Sobre a educação penso que, todos, estamos conscientes do estado em que esta área sectorial se encontra.

Teve, assim, razão o Presidente da República em chamar atenção para esta segunda oportunidade expressa nos próximos cinquenta anos que aí vêm, a partir de 2024.

É que se perdermos esta segunda oportunidade, no fim da linha, Portugal talvez não venha a ser muito mais do que uma espécie de Venezuela da Europa.»

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