«Talvez por não ter ficado muito contente com o resultado das legislativas de 2019, Marcelo Rebelo de Sousa resolveu dissolver a Assembleia da República em 2021, quando podia ter optado por outra solução, e convocou eleições. Como é provável que tenha ficado ainda menos satisfeito com o resultado das legislativas de 2022, o Presidente resolveu dissolver a Assembleia em 2023, quando podia ter optado por outra solução, e voltou a convocar eleições. Entretanto, também dissolveu a assembleia regional dos Açores — e convocou eleições. E parece que se prepara para dissolver a assembleia regional da Madeira — e convocar eleições. Creio que o melhor é Marcelo dizer o que pretende do povo, e depois a gente vota no que ele mandar. Poupamos algum trabalho. Votar de dois em dois anos para tentar obter um resultado que satisfaça o Presidente não é bem uma democracia, é aquele jogo em que alguém vai dizendo “frio... frio... morno... quente...” até o jogador acertar. Em 50 anos, Portugal passou do Marcelo padrinho, que não gostava nada de eleições, para o Marcelo afilhado, que parece gostar demasiado delas. Curiosamente, impedir o povo de votar e obrigá-lo a votar a toda a hora acabam por ser duas maneiras de evitar que se cumpra a vontade popular. O garante da estabilidade tem aproveitado todas as oportunidades para proporcionar instabilidade. Marcelo não está a presidir à república, está a dirigir uma empresa de sondagens. Nem a Intercampus apura as intenções de voto dos cidadãos com tanta frequência.
Em Junho teremos eleições europeias, um tipo de sufrágio que o Presidente deve ter dificuldade em entender. Imagino que ele não veja utilidade em actos eleitorais para parlamentos que ele não tem poder para dissolver, e que por isso continuam a realizar-se, irritantemente, apenas de cinco em cinco anos. Talvez os nossos vizinhos lhe pudessem dar uma ajuda. Em Espanha também estão com dificuldade para formar governo, e não custava nada aos espanhóis deixarem o Marcelo dissolver o parlamento deles, para ocupar o tempo enquanto não volta a ter oportunidade de dissolver um dos nossos.
Como ateu, não posso deixar de sublinhar um facto que me parece significativo: nunca houve tanta dissolução em Portugal como com este Presidente católico. Infelizmente, não é o tipo de dissolução que eu mais aprecio. Mas talvez seja um bom início, e esta leve à outra. Assim o espero.»
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