«Não sei se sou muito jesuíta ou não, mas, em matéria de exegese, pergunto-me sempre primeiro o que o texto me diz e só depois me interessa o que disse aos outros. Neste exercício, às vezes confirmo que o que o texto disse aos outros não é muito diferente do que o que me disse e noutras constato que nada disse aos outros daquilo que disse a mim – às vezes, três ou quatro palavras especiais.
Ultimamente, ao desfolhar os comentários dos comentadores dos debates das legislativas fico com sensação semelhante. Na maioria das vezes, julgo que eles deviam estar a ver um jogo – isto é, um debate – diferente daquele que vi.
Uma vez, acontece. Duas, já os princípios probabilísticos começam a funcionar. Três, decerto tenho leituras diferentes das daqueles comentadores. O pior é que não é daqueles dois – na generalidade, tenho leituras diferentes da maioria daqueles comentadores.
Ao contrário de um jogo de futebol, em que um ganha e o outro perde, e os comentadores tentam justificar a justeza do resultado, o papel enviesado da arbitragem ou a tática errada do Schmidt, num debate televisivo dá-se um aceno de opiniões estéticas por parte dos comentadores.
Como se define quem ganhou o debate? O que falou mais? O que disse mais palavras em menos tempo? O que calou mais o adversário? O que gaguejou menos? O que sorriu mais? O que se mexeu menos?
Em todo o caso, como quando olhamos para um Picasso ou para um Miró, 98% não percebe patavina da beleza daquilo, mas dentro dos 98%, haverá sempre 64% que ficarão calados perante a opinião de um crítico entendido. No entanto, quando escutamos os comentadores a comentarem, decerto a maioria de nós (os 98%) não lhes reconhece grande competência para decidirem como num júri de patinagem artística o brilharete das piruetas. Quando muito, são parecidos com os júris dos programas de talentos, que emitem opiniões inócuas perante candidatos inócuos.
Para quem só sabe entrar de chapa (como eu) numa piscina, resta-me acreditar que o júri do salto olímpico para a água percebe mesmo da diferença entre notas separadas por décimas.
No caso dos comentadores, esperemos que a sua coloração partidária (facilmente percetível pela tendência para favorecerem sempre um ou outro e castigarem sempre um terceiro ou quarto) não os leve ao descrédito que outros elementos – as sondagens – vão a ter na nossa democracia.»
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