17.3.24

Legislatura-os tu

 


«Que nostalgia. Saudades da semana passada. Uma altura em que o povo português ainda não tinha dado 18,6% à extrema-direita. Lembram-se dessa altura? Bons tempos. A crise na habitação está tão mal que a própria casa da democracia vai dar agora lugar a um espaço comercial, a taberna da democracia.

A realidade é que os astros estavam todos alinhados: um cenário de inflação, crise na habitação, a queda de um governo por suspeitas de corrupção e uma figura presidencial em queda de popularidade. Estavam tão alinhados que podemos dizer: “Só 48 deputados?! Que incompetência!” É que esta foi uma das grandes chances de André Ventura e ele sabe. Caso contrário, não tinha apostado tudo na campanha eleitoral. Insultar os tipos com que querem formar governo, inventar umas tais de forças vivas que iriam dar o pontapé ao líder da AD, pedinchar uma oportunidadezinha, fazer vídeos engraçadotes para as redes. É que parece que não mas aquilo cansa. Só quem não tentou editar um TikTtok é que acha que aquilo não dá trabalho. O partido investiu tanto nesta estratégia que as ideias do programa do Chega pouco ou nenhum destaque tiveram. E é pena porque, para além daquelas medidas que levariam o país à bancarrota, valia a pena conhecer-se melhor outras, como a que propõe acabar com as limitações ao alojamento local, ou a que quer obrigar os imigrantes a descontar, pelo menos cinco anos, até poderem ter qualquer resposta social, ou aquela giríssima de acabar com a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género e criar uma secretaria de Estado da família, ou ainda a ideia espetacular de aumentar a abrangência do que se pode referendar e os resultados do referendo serem imediatamente vinculativos. Não se via um programa tão mau desde que a TVI, em 2019, se lembrou de fazer o “Quem quer casar com o meu filho”.

Desde que me lembro, que as legislaturas arrancavam com um hemiciclo recheado de pessoas mais ou menos conhecidas no campo da gestão, da saúde ou da justiça, para agora termos deputados conhecidos porque têm um canal de YouTube. Como cidadã, acho que é uma péssima notícia, mas como profissional vai ser impagável sintonizar na ARTV e assistir a “Sr. presidente, senhoras e senhores deputados, se gostaram desta proposta de alteração à lei, já sabem, façam like, partilhem e ativem as notificações no sininho”.

Desde que saíram os resultados - e ainda faltam os do estrangeiro - os espaços de informação dividem-se entre vários cenários de governabilidade. Se for o PSD com a IL e o PAN. Não, tira o PAN. Então e se for com a IL e ir aprovando medida a medida com o Chega? Não vai dar. Então e se for o PS com o Livre, o Bloco, a CDU, o PAN e um quilo de sardinhas? E várias teses para os resultados do Chega. A culpa é do PS. A culpa é do PSD. A culpa é da Comunicação Social. A culpa é do Algarve. A culpa é do Marcelo. Não, a culpa é de quem partilhou memes da página Pérolas das Urgências. Em todos os canais só dá um misto de aula de matemática com contas a números de deputados com sessões de terapia em que especialistas falam de sensações que pensam justificar este imbróglio. E, de vez em quando, têm lá alguém do Chega a tentar convencer os outros, os mesmos que insultaram e humilharam que o partido é uma mais-valia. Se bem nos lembramos, o André Ventura lançou-se na política afirmando que iria dizer em voz alta aquilo que as pessoas dizem nos cafés. Mas acho que agora não é preciso. Com os resultados do partido podemos dizer que, graças ao Chega, as pessoas já começam a sair dos balcões para a bancada parlamentar. Só resta saber se vão entrar com um prato de tremoços e de míni na mão.»

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1 comments:

António Alves Barros Lopes disse...

Dona Cátia Domingues!
Vão contentar-se como "prato do dia"!