11.4.24

A táctica de Montenegro é uma desgraça, mas não tem alternativa

 


«Quando Pedro Nuno Santos disse, na noite eleitoral, “deixemos a táctica de fora” (numa indirecta a António Costa e a Marcelo Rebelo de Sousa, mestres da táctica política) ou não estava a ver o filme ou estava, apenas, a enunciar a frase por puro tacticismo.

A “táctica” é necessária hoje mais do que nunca: a situação política, neste momento, é um jogo de xadrez e só tem capacidade de fazer xeque-mate quem tiver “estudado” o adversário com maior rigor.

A apresentação do programa deste Governo e o anúncio solene de que o executivo Montenegro, bonzinho, incluiu 60 medidas da oposição no seu programa, é um monumento à táctica. O Governo quer fingir que “dialoga”, “negoceia”, “concerta” em sede de Parlamento, mas só tem um objectivo em mente. Trata-se de arranjar o argumentário mínimo para vir a culpar a oposição, na campanha eleitoral para as próximas eleições antecipadas, pelo chumbo do Orçamento para 2025.

Nem sequer há muito de novo nisto: o Governo prepara o discurso da vitimização e tenta o que outros já tentaram antes com sucesso – obter uma maioria confortável, que não seja apenas a de dois deputados a mais do que o PS.

O programa é, evidentemente, o da AD, com uns retoques, e foi fechado sem qualquer negociação com qualquer outro partido. É tudo legítimo, menos chamar a isto “diálogo”. Se a vontade de negociar fosse genuína, autêntica e houvesse o objectivo de atingir um acordo, Montenegro falava com os líderes de outros partidos e discutia medidas. Não o fez.

A introdução ao programa é um verdadeiro mimo e basicamente repete o discurso de posse de Luís Montenegro. O Governo vai governar com o seu programa e a oposição tem a obrigação de o “deixar trabalhar”.

Vale a pena anotar a leitura que o Governo faz dos resultados eleitorais: “Os portugueses conferiram a este Governo a legitimidade para governar, cumprindo o seu programa e concretizando os seus objectivos.” Ninguém avisou a AD de que não tem maioria absoluta. Segue-se: “Contudo, o resultado eleitoral constitui uma responsabilidade para todas as forças parlamentares.” Montenegro já tinha ensaiado esta táctica: cabe ao Governo, que tem mais dois deputados do que o PS, governar com o seu programa e cabe ao PS, ao Chega e a outros aprovarem obedientemente.

Qual é o problema desta táctica? É que o Governo, ao falar em “diálogo” e “negociação” limita-se a “épater les bourgeois”. Diálogo não é meter no programa do Governo 32 medidas do PS, 13 do Chega, seis da Iniciativa Liberal, três do Bloco de Esquerda, três do Livre, duas do PAN e uma do PCP.

O problema da táctica Montenegro é querer fingir que faz o que na realidade não faz. Mas o maior bico-de-obra é que não há alternativa para o PSD. Negociar com o PS e tentar um bloco central (ou qualquer coisa informal no mesmo sentido) fará crescer o Chega nas próximas eleições e Ventura já começou a ensaiar o discurso contra “eles” e contra o “bloco central”. Nem Pedro Nuno Santos quer negociar nada de substancial com o Governo, tirando os assuntos de que falou na carta e só até ao Verão. Depois disso, chumba tudo. Nem o Governo quer nada com o PS, nem vice-versa. Nenhum dos dois partidos, PS e PSD, quer fazer favores ao Chega.

A outra hipótese do Governo era fazer um acordo com o Chega, que Ventura – também tacticamente – tem implorado desde o início. Negociar com o Chega iria pôr em causa a estratégia do “não é não” que Montenegro fixou e desacreditá-lo-ia em parte do seu eleitorado. E se o primeiro-ministro decidisse mudar de estratégia e acolher o Chega no regaço, acabaria por ficar refém do partido de Ventura que, no momento que lhe fosse mais útil, o derrubaria. E o risco de, em futuras eleições, o PSD sair prejudicado face ao PS, por causa da aliança com a direita populista radical, é grande.

A situação é tão complexa que o Governo tem que inventar que “dialoga” e “negoceia”. Entretanto, vai sobrevivendo com aquele mantra que os médicos dizem aos doentes – “um dia de cada vez”.»

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