5.4.24

É uma caverna portuguesa com certeza

 

João Fazenda

«Tal como muitos velhos da sua geração, a minha avó tinha uma solução para todos os problemas do mundo, que consistia em obrigar os vagabundos a pegar numa enxada. “Vagabundos” era a designação de todos os habitantes do planeta, com a excepção de mim e dela. Às vezes, só dela. Outras pessoas costumam fazer uma proposta ligeiramente diferente: isto só vai lá se os vagabundos pegarem numa G3. A ideia não é formulada nestes termos, claro. O que se diz é que o serviço militar obrigatório tem propriedades medicinais, uma vez que incute nos mancebos um sentido cívico superior ao que teriam se não passassem pela experiência edificante de viver alguns meses numa caserna. De acordo com esta perspectiva, o serviço militar obrigatório não serve para suprir uma necessidade do Estado, é um modo de completar a formação dos jovens. Trata-se de um benefício para o cidadão, que se transforma naquilo que se costuma designar por “um homenzinho”. As próprias forças armadas são entendidas como uma espécie de escuteiros profissionais, cujo objectivo é proporcionar aos recrutas uma temporada agradável, de alegre camaradagem e são convívio.

Os úteis ensinamentos transmitidos vão desde o “respeito pelo Outro”, sobretudo quando o Outro ocupa um lugar superior na hierarquia militar, até “saber fazer a cama”, actividade para a qual parece haver uma falta de talento grave entre as novas gerações. Como sempre, as opiniões dividem-se: umas pessoas são a favor do serviço militar obrigatório, outras são contra. A minha posição, como creio que também vem sendo hábito, é de invulgar sensatez: sou contra e a favor. Sou contra o facto de o Estado obrigar os jovens a prestar apenas serviço militar obrigatório; sou a favor de que os obrigue a prestar vários serviços obrigatórios. Não creio que haja razão para que limitemos o serviço obrigatório a actividades tuteladas pelo Ministério da Defesa. Reconheço que Portugal lida com um problema de escassez de militares, mas não é menos verdade que nos outros ministérios também existem áreas em que o país tem falta de efectivos. Sou a favor de um serviço educativo obrigatório, em que os jovens são destacados para trabalhar nas escolas (uma tarefa muitas vezes mais violenta e perigosa do que a recruta no exército). Sou a favor do serviço médico obrigatório, para colmatar a falta de profissionais de saúde. Sou sobretudo a favor de um serviço obrigatório nas áreas em que todos os dias ouço mais queixas acerca da escassez de bons profissionais: a canalização, a instalação eléctrica, a realização de pequenos consertos. E sou, evidentemente, a favor do serviço agrícola obrigatório, para que os jovens cidadãos tenham oportunidade de, cumprindo finalmente o sonho da minha avó, pegar numa enxada.»

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