«Um estudo tratou de mostrar que o comentário político nas televisões foi dominado, no ano de 2023, pela direita. Isto apesar de haver, nesse período, uma maioria parlamentar de esquerda. Arrisco-me a dizer, sem dados para além da minha observação, que a situação se agravou durante a campanha eleitoral, como é verificável em painéis de comentário em que as áreas próximas da AD, que se ficou pelos 29%, estiveram sobrerrepresentadas.
O resultado da coligação de direita (o pior de sempre, apesar da vitória, na soma entre o PSD e o CDS) ajuda, apesar de tudo, a relativizar a influência dos comentadores. Mas, ainda assim, pela pressão que o comentário crescentemente exercer sobre os espaços noticiosos e de debate político, e se queremos preservar a credibilidade dos órgãos informativos, não devemos deixar de ser exigentes. Não se trata de defender uma representação partidária. As televisões não são reproduções do parlamento. Trata-se de cumprir mínimos de pluralismo político.
Não preciso de me dedicar a especulações sobre o peso relativo de cada um. Chega-me falar de uma originalidade portuguesa: dois ex-líderes dos partidos que se juntaram numa mesma coligação têm o monopólio do comentário sem contraditório em canais abertos generalistas. Espaços que garantem, à partida e de longe, maior audiência. De tal forma poderosos que já ajudaram a eleger um Presidente (também ex-líder do PSD) e têm outro na calha para o mesmo projeto.
Não fazendo grande esforço para disfarçar a função política dos seus espaços exclusivos, Luís Marques Mendes e Paulo Portas não hesitaram em participar diretamente na campanha eleitoral das últimas eleições, saltando da cadeira de analistas para o palanque de comícios e, de novo, para a cadeira de analistas. Nada contra. Os comentadores não têm de ser neutros. Grave é que duas pessoas empenhadas na campanha da mesma força política tenham mantido este monopólio nas televisões portuguesas.
Já referi esta anomalia várias vezes por achar que isto merecia um debate antes de 10 de março. Mas, a partir da tomada de posse do próximo governo, a coisa passa a ser mais problemática. Porque, com o exclusivo da opinião sem contraditório em canal generalista aberto dada a dois apoiantes deste governo, que militantemente se empenharam na sua eleição, está em causa, pela desproporção de espaço dado ao poder e à oposição, a independência da comunicação social perante o poder executivo.
Ontem foi apenas mais um momento do que nos espera. A avaliação que Marques Mendes fez da composição do novo governo seria mais objetiva se fosse feita por Luís Montenegro. Tudo superlativo, magnífico, cheio de talentos, qualidade. Ou extraordinariamente óbvio ou positivamente surpreendente. O ex-lider do PSD conseguiu falar de todos os novos ministros sem encontrar uma única dúvida sobre qualquer qualidade de qualquer uma das escolhas. Provavelmente o melhor governo de sempre. Foram largos minutos de puro tempo de antena do novo poder, sem qualquer coisa que se assemelhe a uma análise. Digno de uma "conversa em família". É isto que teremos nos próximos meses?
O que já era uma aberração em qualquer país democrático passa a ser um prolongamento da estratégia política do poder executivo. A comunicação social também está sujeita ao escrutínio democrático. Ou acaba com estes espaços, ou cria espaços equivalentes em impacto para figuras independentes do governo, incluindo políticos próximos da oposição (que corresponde a 70% dos eleitores), ou pode ser confundida com a comunicação social (pública e privada) que conhecemos nas chamadas “democracias iliberais”.»
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1 comments:
Têm azia? Como dizia o outro, "habituem-se". Depois de 50 anos de esquerdices, vai-se acabar definitivamente com o 25 de abril e a Constituição!
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