«Quando me perguntam se saí do Parlamento Europeu mais optimista ou mais céptico sobre a Europa, a minha resposta é imediata e sem hesitação: saí mais céptico, saí bastante mais céptico. O Parlamento Europeu é, para milhões de europeus, e em particular para os portugueses, uma abstracção que consideram inútil, a não ser quando se trata de transformar o voto europeu em nacional, votar sobre a situação política portuguesa, para se ser ouvido em Portugal e não em Bruxelas ou Estrasburgo. Não é inteiramente assim, mas é bastante assim. E isto não é uma mera opinião, nem uma afirmação de que deveria ser ou não, é.
Percebo o afã com que os candidatos às eleições europeias dizem que “não, senhor”, é preciso votar nestas eleições pela Europa, por uma concepção qualquer do papel da Europa e às vezes, a medo, para defender os interesses nacionais na Europa. Mas eles sabem muito bem que os votos que receberem nestas eleições vão ter apenas um significado político nacional, e os candidatos serão pouco importantes. Deste ponto de vista, a AD escolheu bem, porque lhe interessa o festival cá dentro e não a representação lá fora, se bem que esse festival se passe essencialmente naquilo que agora se chama a “bolha mediática”. Para umas eleições pouco mobilizadoras é o barulho dentro da “bolha” que conta, porque é feito para quem anda pendurado nas redes sociais, no Facebook e no chamado “comentariado”, e que ouve a logomaquia comunicacional “moderna”. Mas não venham com tretas sobre a “importância das eleições europeias”, quando eles mesmos as desvalorizaram.
Passemos do que é para o que devia ser. A situação da Europa continente, a situação na União Europeia, a situação de Portugal em ambas, é, nos dias de hoje, a mais grave desde 1945 e é também por isso que há muita irresponsabilidade dos partidos portugueses em não a discutirem. Não o fizeram nas eleições legislativas, pensando que podiam prometer tudo e mais alguma coisa, em particular prometer normalidade, sem terem a coragem de defrontar os riscos actuais, e agora vão fazer a mesma coisa, mesmo quando é suposto discutir a Europa.
O que é que seria hoje uma discussão a sério sobre a Europa? Em primeiro lugar, sobre a guerra russa contra a Ucrânia. Depois, sobre a duplicidade moral entre as sanções contra a Rússia e nenhuma penalização a Israel pelos massacres de Gaza. Por fim, e não menos importante, sobre o processo obscuro e pouco democrático como uma parte da soberania portuguesa, nomeadamente em matéria orçamental, passou, sem o voto dos portugueses, para a burocracia europeia e para os governos mais poderosos da Europa – a Alemanha, a França, os Países Baixos, etc.. Duvido muito de que haja essa discussão, depois de umas legislativas em que os aspectos da situação europeia que mais importantes são para o nosso futuro, nomeadamente a questão da guerra e da paz, e da defesa, terem sido olimpicamente ignorados.
Em que parte do mundo pensam que estão? Nas Seychelles? Uma grande potência convencional e nuclear, governada por um ditador e uma oligarquia que exercem um poder absoluto, invadiu um país vizinho, ocupou parte do seu território, anexou formalmente não só o território que ocupa, mas outras partes que ainda não controla militarmente, e ameaça todos os dias com um ataque nuclear, e isto não é absolutamente dominador em qualquer agenda política europeia? Como é que se trava este invasor para o mandar para dentro das suas fronteiras, para o fazer pagar os custos da reconstrução do que destruiu num país soberano, sem haver um enorme esforço militar, que vai dos orçamentos de defesa à preparação das Forças Armadas nacionais (sim, inclusive as portuguesas) até, no limite, à guerra. Macron pode ter mil e uma razões de política interna francesa para dizer o que diz sobre a guerra, mas tem razão. Da força bruta, ou aceitamos ser servos ou nos revoltamos contra os que querem ser nossos senhores.
Havia outras questões relevantes para se discutir sobre a Europa, algumas das quais me tornaram céptico nos meus anos de Parlamento Europeu. Perceber por que o Parlamento e os seus debates têm pouco a ver com a política de muitos países europeus, como seja a primeira fractura, a existente entre europeístas e antieuropeus, que cria uma amálgama bizarra que só tem correspondência com o Reino Unido e deu o "Brexit". Só depois funcionam outras fracturas mais correspondentes com as políticas nacionais, como seja a divisão esquerda-direita, a entre partidos que estão no poder nos seus países e os que são oposição, a entre países do Norte e do Sul da Europa, etc.. Depois há uma miríade de questões políticas com estrita base nacional, mas muito mais mobilizadoras em comparação com a retórica europeia, como a que opõe os “defensores do peixe” aos “defensores da pesca”, ou a pressão dos agricultores subsidiados contra a protecção ambiental.
Mas mesmo tudo isto hoje perde importância face à questão da guerra e da paz, entre os colaboracionistas com os russos, os que não se querem meter em nada e os que se lhes querem opor. Estão a ver os eurodeputados portugueses a assumirem compromissos nesta matéria e a ganhar legitimidade para falarem por nós na questão da guerra e da paz? Sim, o PCP, que quer a rendição da Ucrânia, mas e o resto vai para lá com alguma força no debate de cá? É que a “bolha” não serve, nem a demagogia sobre a Europa, mas isso é que tornaria significativas as eleições europeias.»
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1 comments:
"Mas mesmo tudo isto hoje perde importância face à questão da guerra e da paz, entre os colaboracionistas com os russos, os que não se querem meter em nada e os que se lhes querem opor."
Com todo o respeito, mas se a União Europeia é colaboracionista dos Estados Unidos da América, e está entrincheirada entre as duas potências imperialistas, que é que pode fazer de moto-próprio?!
Remetamo-nos pois à nossa insignificância...
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