23.7.24

A eleição começa agora

 


«É humano, demasiado humano, querer preservar o poder. O poder, dizem, não se oferece: perde-se. Que outro líder mundial faria o que Joe Biden fez hoje?

Para o 46.º Presidente dos EUA resta terminar o seu mandato presidencial com a maior dignidade possível.

Joe Biden ficará como Presidente de um só mandato -- como provavelmente acreditava que seria, quando concorreu há quatro anos --, mas com dois legados muitos relevantes: o de ter defendido a Ucrânia da agressão russa, apesar da opção estratégica americana de fletir forças para o Indo-Pacífico, e o bom desempenho económico dos EUA durante o seu consulado.

Os republicanos ficaram com as contas da vitória (até há horas, praticamente inevitável) totalmente baralhadas. O argumento estava preparado para derrotar um Biden velho e fragilizado. Só que, a partir de agora, é uma nova eleição.

Há um ou dois anos, Kamala Harris era para Donald Trump uma adversária muito mais fácil de derrotar do que Joe Biden. Menos competitiva nos estados decisivos. Menos aceite pelo eleitorado branco com baixas qualificações. Mais permeável à tese republicana de ser da onda “woke” (da qual o velho Joe escapava).

Mas o contexto é quase tudo.

A situação em que Joe Biden caiu nas últimas três semanas foi muito traumatizante para os democratas. A ideia instalada era a de que os esperavam três meses penosos até a uma derrota humilhante em novembro.

A desistência de Biden, tendo sempre um lado pessoal e afetivo muito custoso, tornou-se um alívio. E abriu uma janela de esperança que, na dinâmica de uma corrida presidencial, não pode ser negligenciável.

Kamala passou a ser mais que Kamala: passou a ser a herdeira da Administração Biden e beneficiou de um endosso claro e imediato do Presidente que abdicou da recandidatura.

Será demasiado tarde? Talvez.

A contagem decrescente aproxima-se perigosamente dos 100 dias finais. Trump está com a dinâmica de vitória, mas o efeito psicológico pode ganhar a corrida ao relógio.

Kamala nunca foi uma vice-presidente popular, tem dificuldade de afirmação até em setores democratas, recebeu do Presidente um presente envenenado ao tornar-se a “czarina” da gestão da fronteira Texas/México.

Se escolher Josh Shapiro, governador da Pensilvânia, que já a apoia, para seu vice é possível que a capacidade de Harris disputar a Trump o Midwest possa mudar rapidamente.

No plano internacional, Kamala perde aos pontos para a experiência de Biden, mas, ainda assim, foi ela quem representou os EUA na Cimeira da Paz realizada na Suíça, há um mês, e vai às conferências de segurança de Munique.

TRUMP E VANCE COMO ESCORPIÕES A LIDAR COM A RÃ?

Donald e JD Vance não deverão conseguir resistir à tentação de fazer uma campanha superagressiva, a roçar o racismo e o machismo, contra a nova opositora.

Ora, isso pode ser uma bela oportunidade para que os democratas recuperem o eleitorado independente e moderado, que já não aceita esse tipo de comportamento, mas estava a fugir do Biden versão fragilizada.

Elise Stefanik, congressista republicana de Nova Iorque, que chegou a estar na “shortlist” de Trump para a vice-presidência, vai apresentar já esta segunda, na Câmara dos Representantes, uma resolução a condenar Kamala pelo seu trabalho na gestão da fronteira. E Mike Johnson, speaker do Congresso, defende a demissão de Joe Biden como Presidente, dando cobertura à tese de JD Vance, que alega: “Se Biden não tem condições para ser candidato, como pode ter condições de ser Presidente?”

Este escalar institucional dos republicanos contra Biden e Harris pode ajudar os democratas a posicionarem-se como a solução mais aceitável para a maioria silenciosa que, em novembro, quer dizer nas urnas que está farta desta política hiperpolarizada e doentia.

  Esqueçam sentenças de vitória antecipada trumpista ou sondagens. comprometedoras feitas até aqui.

A eleição começa agora.»


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