9.7.24

A terceira volta é de Macron

 


«Emmanuel Macron pediu aos franceses que clarificassem o que queriam dizer quando fizeram da União Nacional (RN, na sigla francesa) o partido mais votado nas eleições europeias. Mas o que seria mais um combate entre Macron e Marine le Pen, que o Presidente tem ganho pelo tradicional bloqueio à ascensão da extrema-direita, revelou-se contraproducente e introduziu um factor inesperado. A vitória do partido de Jordan Bardella na primeira volta e a criação de uma frente popular de esquerda em 24 horas reduziram as alianças em torno de Macron a uma ínfima expressão representativa.

O que os eleitores disseram nesta segunda volta, neste domingo, é que a França deve continuar a ser republicana e não anti-republicana. O sistema de desistências de candidatos a favor de alguém do campo republicano, em detrimentos das listas da União Nacional, resultou, mais por determinação da esquerda, que tinha anunciado essa intenção logo na noite da primeira volta, do que por convicção da ala macronista, onde há quem tenha um discurso de equiparação entre Marine le Pen e Jean-Luc Mélenchon, o líder da França Insubmissa (LFI), o partido de esquerda com mais assentos na Assembleia Nacional.

O que daqui resulta é o adiamento da progressão do voto da extrema-direita, que se vê ainda longe do poder, que agora terá de esperar pelas presidenciais de 2027 ou por legislativas antecipadas, e a grande surpresa da vitória da Nova Frente Popular (NFP). A primeira página do Libération do dia seguinte à primeira volta tinha, como habitualmente, uma manchete engagé: “Depois do choque, fazer o bloqueio”. Foi o bloqueio aos candidatos da UN que garantiu a vitória da esquerda, insuflou oxigénio ao macronismo, que ficou em segundo lugar, e derrotou a extrema-direita.

A França respirou de alívio, mas isso não quer dizer que seja facilmente governável. Macron e NFP terão dois ritmos distintos. O Presidente francês vai tentar adiar ao máximo a escolha de um novo primeiro-ministro, pedindo a Gabriel Attal que se mantenha em funções. Há uma razão evidente para isso — a realização dos Jogos Olímpicos em Paris ¬ e outra mais obscura — a esperança de fragmentação e implosão da frente vencedora. A NFP, por seu turno, já fez saber que tem um nome para propor como primeiro-ministro, o que à partida é sinónimo de consenso entre as várias forças políticas que a compõem. Veremos.

Os resultados deste domingo consolidam a França Insubmissa como principal partido de esquerda, mas não impedem que existam diferentes alas no seu seio, com tentações fratricidas, o renascer do Partido Socialista, que François Hollande deixou em estado de coma, e um partido ecologista em ascensão.

Marine Tondelier, a líder dos ecologistas, emergiu na última semana de campanha com mais preponderância ¬— Bardella não quis debater com ela — e o seu esforço de diálogo foi inexcedível: percorreu todos os canais tablóides (C8, BFMTV, Cnews) sem complexos e com a mensagem: "Estou aqui para tentar esclarecer os vossos espectadores.” O facto de ser líder partidária, porém, deve excluí-la.

A última coisa que deveria acontecer a esta frente, que travou a ascensão da extrema-direita e venceu o macronismo, era dividir-se na hora de construir um governo; estraçalhar-se por uma luta de egos.

Por razões óbvias, o Presidente deveria nomear o nome proposto pela NFP e este deveria ser suficientemente consensual para poder dialogar com a ala macronista na Assembleia Nacional. O que é teoricamente prático é praticamente teórico se Macron e aliados se recusarem a viabilizar um Governo em que participe alguém da LFI. A França está habituada a barrar a extrema-direita, mas não tem qualquer tradição de governos de coligação.

Se a esquerda se dividir entre quem aceita participar num governo do qual parte dela está excluída, isso será o fim da própria frente e a destruição de futuras soluções que possam continuar a evitar que a extrema-direita conquiste a França, com toda a repercussão que isso terá a nível europeu, pois pode ser um exemplo a ter em conta em outros países. Se a esquerda não se mantiver unida, de nada terá valido o caminho de aproximação que fez até aqui.

Macron aposta na fragmentação e terá tendência a escolher um governo que espelhe essas divisões, diluindo a importância de quem venceu. Em caso de união de esquerda, o Presidente não terá legitimidade para ignorar os resultados das eleições e nomear um governo da sua confiança sem participação dos partidos da NFP.

O que irá fazer Macron até poder dissolver a Assembleia daqui a um ano? É o momento de Macron clarificar o que quer para o país. Uma coisa é certa: a coabitação entre presidencialismo e parlamentarismo promete ser agitada.»


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