30.7.24

Cultura Nacional da Cunha

 


«Passou despercebido um número que o Chefe da Casa Civil da Presidência da República revelou na sua audição na Comissão Parlamentar de Inquérito ao chamado "caso das gémeas", na última semana.

Revelou Frutuoso de Melo que desde que Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse, em 2016, Belém já recebeu cerca de 190 mil pedidos de ajuda.

Fazendo as contas, a Presidência da República recebeu 87 pedidos de ajuda por dia útil desde que Marcelo Rebelo de Sousa é Presidente.

87 pedidos por dia! Este número revela duas características do regime: os serviços do Estado, a administração pública e as instituições portuguesas não funcionam bem e continua a ser alimentada uma cultura de cunha e favor em Portugal.

A cultura da cunha e do favorzinho é uma nefasta instituição nacional que, como se vê, continua a estar institucionalizada para que políticos possam exercer esse poder em seu nome.

O regime do Estado Novo usou a distribuição de cunhas e favores estrategicamente colocados como ajuda para exercer, controlar e manter o poder. Uma cunha do Presidente do Conselho para aquele filho que precisa de um emprego no Estado valia muito, e essa cultura descia pela escada hierárquica, sendo o recurso que os portugueses podiam ter para fugir da miséria em Portugal. Um favorzinho do senhor doutor podia mudar uma vida.

Em democracia a cultura manteve-se. É caso paradigmático Krus Abecasis, Presidente da Câmara de Lisboa, que "levava uma hora da porta da Câmara até chegar ao gabinete para ouvir os pedidos das pessoas que se plantavam a pedir casas e só não dava se não podia". O poder discricionário na atribuição de habitação é "uma realidade histórica" na autarquia que remonta aos tempos de Aquilino Ribeiro Machado. A Câmara de Lisboa deu ao longo do tempo milhares de casas a pessoas que as pediram, com casos conhecidos de pessoas que não precisariam, apenas porque há um pedido e uma decisão pessoal de um político.

Mas estes casos do passado continuam a ser uma realidade em várias Câmaras Municipais do país que, pela sua natureza e falta de escrutínio, continuam a funcionar na base da cunha, do favorzinho, do amiguismo e do clientelismo.

Percebeu-se agora que a Presidência da República também funciona num regime de atendimento de pedidos dos portugueses, usando o suposto cumprimento do artigo 41º do Código do Procedimento Administrativo como justificação para um conjunto de diligências efetuadas neste âmbito.

Até se podia considerar o argumento válido já que o referido artigo diz que “quando seja apresentado requerimento, petição, reclamação ou recurso a órgão incompetente, o documento recebido é enviado oficiosamente ao órgão titular da competência, disso se notificando o particular”. Mas o cumprimento desta diligência não só obriga à manutenção de uma estrutura pesada paralela ao Estado, como o facto de não haver qualquer registo ou rastreabilidade sobre ações subsequentes torna o sistema perverso e permeável às cunhas e favores.

Quantos destes pedidos foram encaminhados e sucedidos por telefonemas da Presidência da República a indagar sobre o seu estado? E quantos não tiveram direito a esse telefonema e ficaram apenas perdidos numa qualquer caixa de e-mail? Quantos foram efetivamente tratados pelos órgãos competentes e em que prazo? Quantos foram diretamente tratados por vontade do Presidente da República, agindo como se fosse um Rei que decide quem tem direito às boas graças e quem não tem?

É completamente natural que os portugueses, sem terem soluções para os seus problemas e muitas vezes já em completo desespero, procurem qualquer porta aberta que os possa ajudar. O que tem de melhorar muito é a capacidade operacional dos serviços do Estado.

A interface entre os cidadãos e o Estado em todos os seus serviços deveria ser ágil, acessível, transparente, rigorosa, registada e rastreável, com tempos de resposta definidos. Todos os pedidos registados e com alarmes definidos para prazos a expirar. Clareza na prioridade de tratamento de pedidos, com critérios definidos. O cidadão deve poder acompanhar o seu processo e saber o que esperar.

Por muito que os políticos possam gostar do poder discricionário que alguns cargos lhes dão para resolver pedidos pessoais que lhes chegam, esta forma de o Estado funcionar e de o dinheiro dos contribuintes ser usado está errada.

Enquanto tivermos um Estado mastodôntico onde os problemas dos portugueses ficam perdidos e acharmos que é função do Presidente da República ser um distribuidor operacional de resoluções para serviços do Estado, não vamos conseguir ter um país mais funcional e evoluído.»


1 comments:

niet disse...

Ja se contam pelos dedos os jovens e anciäos italianos que arribam à Germania ,em especial ao Sul, Baviera e sobretudo ao Bad Wunterberg, o coracäo industrial alemäo, procurando desesperadamente trabalho. As miragens fomentadas por Meloni, a PM mirabolante,foram sol de pouca dura.Mesmo com a tolerancia evangelica do clan de Draghi e do PR, super-compreensivos...Bom exemplo para o Governo minoritário de Montenegro e o PR Mareclo.E a Italia é a terceira potencia industrial da Zona Euro com a balanca de pagamentos sempre positiva...Portanto, o PR Marcelo parece fazer seu o label de S. Paulo que Clemente de Alexandria fez seu: " Näo conheci o pecado senäo pela Lei ".Niet