12.7.24

Mania da perseguição na óptica do utilizador

 


«Quando dizemos de uma pessoa que tem a mania da perseguição, pretendemos significar que ela acredita que os outros a perseguem. Mas a expressão também pode ser entendida noutro sentido: o de que a pessoa tem a mania de perseguir os outros. São duas manias muito diferentes que podem, no entanto, ser designadas com a mesma expressão. Ao que se ouve dizer, Lucília Gago, a procuradora-geral da República, sofre de ambas as estirpes da maleita. Muita gente está convencida de que ela persegue, ela acredita que é perseguida. Em entrevista à RTP, a procuradora-geral respondeu à acusação de que conspira contra certas pessoas afirmando que certas pessoas conspiram contra ela. “Há uma campanha orquestrada contra o Ministério Público”, disse a procuradora-geral. A pessoa que alegadamente orquestra campanhas é alegadamente alvo de campanhas orquestradas. Ora, é muito improvável que, num país em que tudo é feito à balda, haja alguma coisa bem orquestrada, quanto mais duas. Mas é preciso não esquecer que Lucília Gago tem acesso a escutas. É possível que já tenha ouvido conversas entre pessoas que estão a orquestrar uma campanha contra si. Infelizmente, nem referiu essas conversas nem identificou essas pessoas. Ou seja, estamos perante mais um megaprocesso na Justiça portuguesa. Desta vez, é um megaprocesso de intenções. Além disso, o anúncio de que existe uma campanha orquestrada contra o Ministério Público (MP) foi também uma nova ocorrência de uma situação habitual: mais uma vez, o país fica a saber de uma suspeita importante porque o MP a comunica em primeiro lugar a um jornalista.

Infelizmente, na entrevista à procuradora-geral da República não se falou de literatura. É pena. Creio que todos concordamos que Lucília Gago é a maior escritora portuguesa viva. Nenhum outro autor nacional conseguiu ser tão influente e obter tamanha repercussão social. Com um parágrafo apenas, Lucília Gago transformou profundamente o país. Outros autores têm escrito páginas e páginas sem qualquer resultado tangível. Mas Lucília Gago, com apenas cinco linhas, fez cair um Governo de maioria absoluta. O parágrafo foi estudado e analisado durante semanas, inspirou debates intensos, incluiu expressões como “contexto suprarreferido” e “foro competente”, que a generalidade dos escritores, incompreensivelmente, tem esquecido. Ainda assim, o talento literário de La href="" target="_blank">ucília não é reconhecido pela academia. Creio que há uma campanha orquestrada para que isso se mantenha assim.»


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