«“O turismo pode desempenhar um papel fundamental na promoção do desenvolvimento económico, mas os seus impactos são muitas vezes económica, social e ambientalmente desequilibrados, e os benefícios nem sempre revertem a favor das comunidades locais.”
Este aviso vem no último relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre o turismo mundial e Portugal tem motivos de sobra para o levar a sério. Em 2023, recebemos quase 20 milhões de turistas, um crescimento de 12,1% face a 2019, o que constitui o terceiro maior aumento entre os 38 Estados-membros daquela organização. No ano anterior, o sector representou 8,9% do PIB português, o valor mais elevado (e mais do dobro da média) dos países da OCDE para os quais existem dados disponíveis.
Os indicadores mais recentes sugerem que o turismo em Portugal continua a crescer. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), o número de dormidas em estabelecimentos turísticos aumentou 7,4% no 1.º trimestre de 2024, face ao mesmo período do ano anterior, enquanto as receitas correspondentes cresceram 15,3%. A redução da inflação, a retoma da economia europeia e a persistência de um baixo valor do euro face ao dólar fazem prever que a tendência irá continuar nos próximos tempos.
Os responsáveis políticos recebem estas notícias com entusiasmo e percebe-se porquê. No imediato, o aumento do turismo traz mais actividade económica, mais emprego e mais receitas fiscais e contributivas. Para quem governa, não há nada melhor do que anunciar estatísticas que dão uma imagem favorável da situação do país e mais margem orçamental. Assim se percebe a resistência que os governantes têm em questionar o peso crescente do turismo na economia nacional. Na verdade, a tendência dos decisores políticos é promovê-lo ainda mais.
Das 60 medidas que constam do programa Acelerar a Economia, anunciado há poucas semanas pelo executivo de Montenegro, 17 visam impulsionar este sector em específico (nenhum outro sector de actividade merece sequer metade da atenção naquele programa). Mas a fixação dos políticos com a promoção do turismo não é de agora, nem deste Governo: em 2016, o então presidente da Câmara de Lisboa (e, mais tarde, ministro das Finanças socialista), Fernando Medina, dizia não saber “o que é ter turistas a mais”, acrescentando que “esse conceito não existe, não tem sentido”.
Mas não é isso que nos diz a OCDE, nem outras instituições internacionais, nem algumas abordagens económicas mais atentas ao desenvolvimento estrutural das economias.
Alguns dos problemas decorrentes de um crescimento excessivo do turismo são evidentes e bem conhecidos de toda a população. A OCDE alerta para aspectos como as pressões sobre os preços do alojamento (que dificultam o acesso à habitação dos residentes e também dos trabalhadores sazonais), sobre as infra-estruturas e os serviços colectivos (traduzindo-se, por exemplo, na sobrelotação dos transportes públicos ou na acumulação de lixo nas zonas mais frequentadas) e sobre o ambiente (aumentando a poluição e pondo em causa a sustentabilidade dos ecossistemas e a biodiversidade). Os crescentes protestos populares em zonas de grande intensidade turística – como Barcelona ou Málaga, para dar dois exemplos recentes – são um sinal de que o excesso de turismo existe de facto e que está a tornar-se um problema político sério em diferentes partes do mundo.
A Organização Internacional do Trabalho, por sua vez, tem alertado para as más condições laborais no sector, marcado pela prevalência do trabalho ocasional e informal, horários de trabalho variáveis e longos, salários baixos e fraca protecção social (decorrente da informalidade, da sazonalidade e dos rendimentos reduzidos dos trabalhadores).
Para além dos impactos mais directos e evidentes, o turismo tem implicações estruturais para o desenvolvimento das economias a prazo. Há três aspectos que vale a pena ter em consideração a este respeito.
O primeiro tem que ver com a relação entre turismo e imobiliário. A expansão rápida da actividade turística num determinado território está frequentemente associada a um aumento do investimento imobiliário em hotéis e alojamento local, mas também em estabelecimentos comerciais e de restauração. O crescimento dos preços desses activos pode dar origem a fenómenos especulativos, que põem em causa a estabilidade financeira do país.
Segundo, o aumento dos preços do imobiliário representa um acréscimo de custos para a generalidade das actividades produtivas (não apenas as que estão directamente associadas ao turismo). Para além disso, o grande afluxo de turistas – que, em geral, têm um poder de compra superior à média dos residentes – traduz-se num aumento geral dos preços dos bens e serviços, reduzindo assim o rendimento disponível da população local e aumentando ainda mais os custos para as empresas de todos os sectores.
Estes fenómenos inflacionistas, a par da disputa de recursos humanos, financeiros e materiais, originam um fenómeno conhecido por “doença holandesa”, ou seja, o crescimento do turismo provoca uma perda de competitividade em outros sectores de actividade mais expostos à concorrência internacional, em particular as indústrias transformadoras. Isto tem efeitos nefastos a nível estrutural: embora o turismo estimule a actividade económica e o emprego no curto prazo, em geral não tem o mesmo potencial de desenvolvimento tecnológico e de aumento da produtividade que o sector industrial. Ao favorecer a desindustrialização das economias locais, a sobre-especialização no turismo põe assim em causa o desenvolvimento da economia a prazo.
Por fim, a actividade turística é particularmente vulnerável à ocorrência de fenómenos extremos – como pandemias, desastres naturais, alterações climáticas, ataques terroristas, conflitos armados, entre outros – tornando ainda mais arriscada a sobreespecialização económica neste sector.
É por estes e outros motivos que as organizações internacionais têm vindo a alertar para a necessidade da adopção de planos de turismo sustentável por parte das autoridades nacionais e locais. É possível e desejável fazer do turismo uma parte relevante da estratégia de desenvolvimento económico, social e ambiental do país. Isto faz-se gerindo fluxos, diversificando ofertas, reforçando o investimento em infra-estruturas públicas e serviços colectivos, limitando o seu efeito predatório sobre a habitação nas grandes cidades (e não só), regulando e fiscalizando as condições de trabalho no sector. O primeiro passo, no entanto, é pararmos de olhar para o turismo como a galinha dos ovos de ouro da economia nacional.»
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