«Não deve ter havido qualquer lei a ser aprovada cinco vezes. Não haverá muitas leis que tenha passado duas vezes pelo crivo do Tribunal Constitucional. E que tenham sofrido tão intenso bloqueio do Presidente da República, sobretudo movido pelas suas convicções religiosas – usou do veto político duas vezes e duas vezes enviou o diploma para o Tribunal Constitucional, num jogo do gato e do rato com o legislador.
A lei que despenaliza, em determinadas circunstâncias, a morte medicamente assistida, foi aprovada em março de 2023 e publicada em maio desse mesmo ano. O governo anterior teria três meses para a regulamentar. Mesmo descontando os meses de gestão, arrastou esse dever durante meses, de forma incompreensível, tendo em conta que se tratava de uma iniciativa do seu próprio partido. Mas o que se passa agora é muito mais grave. Não é incúria, é violação consciente e determinada da Constituição da República.
O governo já deixou claro que não regulamentará a lei tão cedo. Apresentou dois argumentos: estão mais dois pedidos de verificação da constitucionalidade da lei pendentes no Tribunal Constitucional e a AD pretende ser coerente com os seus compromissos eleitorais.
Quanto ao primeiro argumento, os dois pedidos são, como não podiam deixar de ser nesta altura, de verificação sucessiva da constitucionalidade. Não podem travar o processo legislativo ou suspender a entrada em vigor e aplicação da lei. Se assim não fosse, uma minoria poderia bloquear eternamente uma lei aprovada com a qual discordasse. Não regulamentar uma lei aprovada não é prerrogativa de um governo, que este possa gerir conforme a sua vontade. O governo está em premeditada violação da Constituição.
Quanto ao segundo argumento, se a AD acha que ser fiel aos seus compromissos eleitorais (que no caso de Luís Montenegro é esperar por uma decisão do TC, violando a Constituição, e no de Nuno Melo é reverter a lei), só a do CDS é legitima: voltar à Assembleia da República para revogar a lei, aliando-se para o Chega. E assume os custos políticos dessa decisão. Duvido que o PCP aceite participar neste número e o PSD terá de garantir os votos suficientes, na sua própria bancada. É esta clareza que exige, com toda a legitimidade, um manifesto que junta direita ultraconservadora e extrema-direita, tornado público ontem. O que não se pode aceitar é o cobarde veto de gaveta.
Num outro manifesto, que eu próprio assinei, e onde podem ver nomes que atravessam quase todos os espaços políticos, partidários, sociais e culturais deste país, consta apenas uma exigência: respeitem o processo democrático e a Assembleia da República, cumpram a Constituição que juraram defender. Mais simples era impossível.»
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