«Faltaram a Kamala Harris os votos de todas as causas que não abraçou; faltou o élan que, apesar de todo o seu bom humor, não se instalou no terreno. Ela participa — e é exemplo — do erro geral que as forças progressistas estão hoje a cometer: procuram conluios à direita de si, sem se aperceberem de quanto nessa aproximação vão perdendo as suas convicções maiores.
Sobre o porte de armas, Kamala afirmou sentir o dever ético e coletivo de estar ao lado da luta dos jovens e dos professores por uma escola livre de violência armada. Lembrou e lamentou o número de feridos e vítimas mortais desses incidentes — 82 em 2023 e 58 em 2024. Poderia também ter-se mostrado preocupada com a saúde mental dos americanos e daí progredir para a erradicação da pobreza, causas seguras da maioria destes incidentes. Podia falar do seu sonho de pacificar a América e de a tornar emocionalmente segura ao ponto de as armas caírem em desuso, uma coisa fora de moda. Ainda que lírico, este discurso inspira, tem essa qualidade política — e poética — tão necessária. Mas o que a candidata fez em vez disso foi proclamar aos quatro ventos que também ela tinha uma arma.
Harris lê os relatórios, sabe que o fracking é uma atividade com sérios impactos no ambiente terrestre. E sabe que não investir no seu fim tem um custo acrescido a jusante, com a mitigação de desastres humanos e materiais infligidos por um clima zangado e intempestivo. Mas, a meio da campanha, muda de ideias; afinal não é contra o fracking, ou pelo menos não o irá banir absolutamente. Resultado: ambientalistas furibundos, clamores de “traição”.
Da Palestina, chegavam imagens abissalmente contrastantes com a exuberância dos comícios da campanha democrata. Sobre o conflito, Kamala reafirma a sua determinação em estar ao lado de Israel, mas devia na frase seguinte condenar as práticas de guerra do atual Governo israelita, identificando-o como extremista e instando-o a fazer diferente, com urgência, porque, com armas americanas e de forma indevida, estavam a morrer muitos palestinianos, todos os dias. Mas não, tristemente refugiou-se, ou teve de se refugiar, em declarações de impotência bem-intencionada, numa indignação contida de que quem adia consente.
Kamala resultou numa candidata programada, sem ginga ou swag, em oposição ao improviso laranja e tagarela do seu rival. Não existiu assim uma sinceridade nova à qual aderir, muito graças a esta recém-adquirida mania de arrastar o pé para a direita, num medo parolo de se ser tomado por extremista, socialista, comunista, radical, ou, mais recentemente, por woke. Quando Kamala é acusada de “perigosa marxista”, podia ter esclarecido que conhece mal o marxismo — o que deve ser verdade —, mas que a justiça social é um imperativo universal e que ninguém, nenhum nome ou ideologia, se pode dela apoderar. Em vez disso, distanciou-se de tudo o que pudesse figurar ligeiramente à esquerda de si.
Harris, em lugar de se tentar distinguir como implacável promotora pública que mandava resmas de homens maus para a prisão, tipo heroína bidimensional da Marvel, podia ter construído uma figura apaixonada pela justiça ao ponto de ter uma moral e uma sinceridade suas. Poderia ter manifestado um ideário justo, esperançoso, com valores progressistas e sarapintado de utopia. Se no cômputo geral isso lhe traria mais ou menos votos, fica por saber. Uma vantagem seria certa: todos estaríamos hoje mais preparados, unidos, animados e inspirados por uma “agenda” capaz de enfrentar o que aí vem. Por mim, não se arreda o pé; seja na América ou na Câmara de Loures.»
2 comments:
...pois, ainda bem que a senhora Harris não se travestiu naquilo que não é!
Os estados (des)unidos da américa são uma fraude completa!
Falar em Loures faz-me sorrir. Quanto às eleições americanas, eu sempre disse que o Trump ganhava. O resto é palha que arde sem se ver.
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Um domingo feliz … em paz e amor.
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“” TALVEZ UM DIA ““
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