«Não sou dos que acha que o maior impacto internacional da vitória de Donald Trump vá ser nas guerras da Ucrânia e de Gaza. Não é otimismo, é o contrário. As duas guerras já se encaminham para um epílogo trágico. Trump apenas vai abreviar a tragédia.
Na Ucrânia, assistimos ao impasse da desgraça. A guerra está praticamente perdida e todos andam a tentar perceber como lhe pôr fim com um acordo minimamente aceitável. As dificuldades de recrutamento de Kiev e a provável mudança de governo da Alemanha já ditariam o desfecho. Veremos se, com Trump no poder, Putin decide ir mais longe ou se aceita ficar com Donbas e Crimeia. E que estatuto consegue impor à Ucrânia.
Talvez isto apenas sirva para a Europa perceber, de uma vez por todas, que, desde o fim da guerra fria, os seus interesses estratégicos são diferentes dos norte-americanos. Foram ou deviam ter sido no Iraque, foram ou deviam ter sido na Ucrânia, de 2014 até à invasão russa, foram e continuam a ser na relação com a China e no Pacífico.
Em Gaza, acontece o mesmo: a tragédia será apenas mais rápida. A fraqueza da liderança de Joe Biden impediu-o de travar Israel, um Estado que depende existencialmente dos Estados Unidos. Biden foi e é cúmplice do genocídio e da falência moral do ocidente aos olhos dos povos do mundo. E, já agora, da perda votos de Kamala em voto jovem e árabe. Veremos se Netanyahu avança, como tantos desejam, para a anexação de Gaza. Como o embaixador de Trump para Israel nega a existência da Cisjordânia, dos colonatos e dos palestinianos, se a anexação não acontecer, será por causa da oposição interna.
O que pode piorar, porque Trump já foi responsável pela incapacidade de controlar Teerão e dar força aos moderados, é a relação com o Irão. A ignorância é, nestas matérias, ainda mais perigosa do que o fanatismo.
Este também é o momento para enterrar as poucas esperanças que restavam nas políticas necessárias para combater as alterações climáticas. Como vimos em Valência (e, em parte, com o furacão Helena, nos EUA), a direita populista tem a capacidade de negar as causas das tragédias, ser incompetente a lidar com as suas consequências, e, no fim, criar o caos político e a desinformação para atirar as culpas para os outros. COP29 parece ser mais um encontro de negócios com A um chapéu de chuva conveniente do que um esforço real para travar a tragédia que já vivemos.
A vitória de Donald Trump marca uma nova fase na ascensão da extrema-direita (ou das suas ideias) ao poder nas principais capitais ocidentais. O quartel-general da quinta coluna, hoje em Moscovo, passará a ser partilhado com Washington. Guardarei isto para o texto de amanhã, na edição semanal do Expresso, mas a proximidade dos narcísicos e megalómanos bilionários da tecnologia à Casa Branca, onde passarão a justamente ostentar o epiteto de “oligarcas”, é das coisas mais perigosas para as democracias. Este regresso de Trump pode vir a marcar uma nova fase do capitalismo global a que as democracias terão dificuldade a resistir.
Quem se lembra do que foi o impulso da extrema-direita, que já vinha de vitórias em vários países europeus, depois de 2016 pode imaginar qual será o efeito de contágio. 2016 em esteroides. Porque o poder é maior e está nas mãos de um círculo mais restrito e fanatizado. Através do exemplo, do financiamento indireto e promovido pelo poder, do apoio político e da aliança com a oligarquia tecnológica, a extrema-direita terá um novo impulso na Europa. Mesmo onde não chegar ao poder, marcará o debate e o discurso dos partidos tradicionais. À direita e à esquerda, como começamos a perceber em Portugal.
Tudo o que aqui escrevi pode, no entanto, ser desmentido por uma arma mais poderosa do que as convicções de Trump: a imensa incompetência executiva de um egocêntrico mimado que, depois de cada vitória, se dedica a minar o seu próprio poder.»
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