«A vitória de Donald Trump não é o regresso a 2016. Antes de mais, porque já ninguém foi ao engano. Trump é eleito depois da desastrosa gestão que fez da pandemia. É reeleito depois do seu mandato único ter sido punido por uma derrota. É reeleito depois de, perante essa derrota, ter tentado subverter os resultados eleitorais e ter promovido a tentativa de um golpe, com uma inédita ocupação do Senado. A reeleição, depois do que aconteceu a 6 de janeiro, demonstra que já não estamos perante enganos ou ilusões.
O enquadramento político também é muito diferente do de 2016. Como se viu pelas nomeações que fez, Trump esmagou, de uma vez e para sempre, o Partido Republicano, moldando-o à sua imagem e rodeando-se de gente tão ou mais perigosa do que ele, de que J.D.Vance, momentaneamente ofuscado pelo brilho de Elon Musk, é exemplo. Trump governará com a maioria na Câmara dos Representes e do Senado e com uma declaração de inimputabilidade decretada pelo Supremo. Trump só não fará o que não quiser fazer. E isso demonstra a fragilidade das instituições em que tantos depositam ama fé infinita.
A vitória de Trump marca uma nova era. E quando digo que marca, não digo que a determina. Ela é sinal dessa nova era, em que ao triunfo do capitalismo financeiro global, que causou profunda erosão nas nossas democracias, se junta o triunfo do poder económico ligado às tecnologias da informação, que concentram um poder financeiro e político até hoje desconhecido. De tal forma que substituem a influência do dinheiro nas decisões políticas pela presença direta no próprio poder político. Sem agentes ou representantes. Com Trump, chega ao poder a oligarquia tecnológica que determinará, está a determinar, uma Nova Ordem Mundial capitalista, como o próprio Elon Musk anunciou no dia da vitória.
Os traços ideológicos desta nova elite são evidentes, porque ela tem um poder esmagador de, através do domínio dos instrumentos de construção de hegemonia cultural, os tornar maioritários: um, só aparentemente improvável, casamento entre autoritários político, reacionários culturais e libertários económicos, que usarão de forma impiedosa o Estado para acabar de concentrar todo o poder nas suas mãos em nome de uma liberdade económica em que já concentram o poder. Não é por acaso que Milei é o presidente preferido de Trump. O presidente argentino é quem, de forma mais perfeita, sintetiza esta aliança. E os mercados gostam.
E Trump chega ao poder num momento particularmente sensível, com o mundo em desordem e duas guerras que ele resolverá satisfatoriamente para os agressores – a da Ucrânia, provavelmente congelando-a, e a de Gaza, deixando que o seu amigo Netanyahu acabe o serviço que começou. A vitória de Trump representa também o fim definitivo de uma ordem mundial vagamente regulada por leis. E coincide com o ocaso da Europa – que se prepara para destruir o seu Estado Social em nome de uma economia de guerra, opção que a entregará de vez às mãos da extrema-direita – e da ascensão da China, o grande vencedor planificado da globalização.
O regresso de Donald Trump marca uma nova era que, como tenho defendido, vai pondo fim, com as contradições habituais em períodos de grande mudança, à curta experiência democrática de parte da população mundial. Uma experiência que correspondeu ao encontro entre os interesses nacionais e as suas burguesias industriais. Podermos continuar a ter eleições, dissidência e uma elite intelectual entretida em guerras identitárias (ou na reação a elas), mas a democracia é desnecessária à economia financeira e tecnológica globalizada e totalmente inviável com os níveis de concentração de riqueza e poder que hoje conhecemos. Trump foi, entre muitas outras coisas, consequência da aceleração desse processo.»
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