12.5.25

A campanha de um farol “normal”

 


«Houve um tempo em que os líderes queriam parecer extraordinários. Alimentavam a distância que lhes oferecia gravitas. Porque era por serem extraordinários que lideravam. De Álvaro Cunhal a Cavaco Silva, era esse o padrão. Mesmo os que cultivavam a informalidade e a proximidade, como Mário Soares, nunca apareciam como um entre iguais.

A falsa democratização, que até correspondeu a algum recuo democrático, fez com que os políticos quisessem aparecer como aqueles com quem “beberíamos um copo”, a quem compraríamos um carro em segunda mão e outras qualidades comuns que aparecem nas sondagens. Mais uma vez, paradoxalmente, é assim que milionários, verdadeiramente inatingíveis, vão chegando ao poder: porque esta banalização corresponde a um crescente desprezo das qualidades especificamente políticas.

Luís Montenegro levou a construção da figura de um homem “normal” ao limite, como um dos episódios de “Isto é Gozar com Quem Trabalha” parodiou. Está sempre a dizê-lo e a querer mostrá-lo. No que acaba por ser acompanhado pelos restantes partidos, numa campanha que se transformou num concurso deprimente de banalidade para saber quem é o candidato mais cool, em vez de saber quem inspira e se distingue.

O candidato da AD abandonou a forçada tentativa de macaquear a distância silenciosa do cavaquismo, que usava para proteger a sua própria vacuidade política. Não por acaso, isso aconteceu depois de todas as dúvidas sobre a sua ética. “O primeiro-ministro não fez nem mais nem menos do que faz qualquer português”, defendeu-se, apelando à autocondescendência ética nacional, para baixar a fasquia da exigência.

Este apelo à falta de exigência ética, que é o oposto de ser um “farol” para o País, é a causa da desconsideração intelectual e política que a sua campanha tem mostrado pelos eleitores. E que se espalhou, neste tempo de redes sociais, por quase todas as campanhas. Mas que, na campanha da AD, é quase um recuo no tempo em que os eleitores eram menos informados e instruídos.

Isto foi logo evidente logo no inusitado Conselho de Ministros em pleno Mercado do Bolhão, transformado numa arruada e na apresentação de uma candidatura autárquica. Na reação à greve da CP, pela qual a AD é tão responsável como o PS o era pela instabilidade laboral nas escolas, hospitais ou esquadras, e após a qual aproveitou a natural irritação popular para dar sinais de querer mudar a lei da greve.

Mas fez bingo quando encontrou, a meio da campanha, a sua mulher, que estava em peregrinação a Fátima. Disse que era um momento “pessoal”, mas convocou previamente as televisões para registarem o encontro, numa encenação que misturou voyeurismo com aproveitamento religioso. O uso despudorado da família, para lá do que é normal na política portuguesa, já tinha marcado o caso Spinumviva. A forma como os seus filhos foram atirados para o furacão mediático de um escândalo determinou, devo dizer, boa parte da avaliação moral que hoje faço de Montenegro.

A degradação da mensagem ética tende a levar à degradação da mensagem política. A Spinumviva não é apenas a Spinumviva. Corresponde um perfil que vai para lá dela e determina um padrão ético que, como sempre, também é político.»


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