6.5.25

Quando um deputado quer aceder ao registo telefónico de um jornalista é grave, senhor Presidente. Não é só campanha

 


«Não sei se foi a extrema-direita que se aproveitou da beligerância que vive acampada nas redes sociais, e cresceu, ou se foi ela própria que, com a sua violência, fez das redes sociais o chiqueiro certo para funcionar como campo de treino. Certo é que essa forma de debater, em que ninguém ouve ninguém, não sendo já um exclusivo seu no teatro político, mostra-a como o original que as cópias tanto valorizam. Transportam consigo uma agenda que não precisa que eles cheguem ao poder para si impor. Vejam como o governo está em campanha: no Algarve e no Alentejo, o PSD faz da imigração o tema central da sua propaganda, no dia seguinte a AIMA anuncia que deu ordem de marcha a milhares de imigrantes.

Ainda assim, sendo mau que a agenda mediática fique contaminada pela forma de tratar os temas mais sensíveis acrescentando divisão a uma sociedade já muito polarizada, há coisas piores a acontecer. O sorriso nervoso de Marcelo, gracejando com a ameaça feita a políticos da oposição e a jornalistas, por parte do partido que está no poder, diz-nos que o Presidente sabe que nós sabemos que ele sabe que não é apenas campanha. Não se quer comprometer e percebe-se porquê. Agora, que há reais possibilidades de deixar Belém com estabilidade política e uma maioria (AD+IL) no Parlamento, Marcelo não dirá nada que possa prejudicar a sua família política. E, sobretudo, que possa prejudicar o seu legado político. Imaginem a festa de arromba no Palácio de Belém, se no dia 18 se formar uma maioria parlamentar.

Só que a ideia de vasculhar registos telefónicos para descobrir a fonte de um jornalista do Expresso é tão estúpida que dá para perceber que não se resume a um simples desvio de atenções sobre a nova lista de empresas da Spinumviva. Se fosse só isso, Marcelo tinha razão, era só campanha. Só que a ideia também é atingir o Expresso conotando-o com uma fonte socialista, contando para isso com a preciosa ajuda da notícia do Observador sobre Pedro Delgado Alves. Seguramente, a Hugo Carneiro não lhe passaria pela cabeça pôr a PJ a investigar quem são as fontes que informaram o Observador em matérias que estavam em segredo de justiça. Ao Expresso, aposto, também não. Revelar possíveis fontes de um jornalista para responder a uma declaração política do líder da oposição, que apontava ao primeiro-ministro a responsabilidade da divulgação da informação, pode parecer assunto de grande relevância jornalística, mas é só mais um passo no caminho de descredibilizar o jornalismo, entrincheirando-o. Coloca o jornalismo no ponto onde ele pode ser manietado, insinuando que é apenas fiel depositário de interesses alheios. Pode não ter sido essa a intenção, mas foi esse o resultado. No final, ficou a insinuação de que a fonte do Expresso foi o deputado socialista.

Aliás, para contraditar a insinuação do líder do PS, bastaria dizer que o primeiro-ministro garantia não ter sido ele a fonte do Expresso e acrescentar que havia uma série de pessoas, na Entidade da Transparência e no Parlamento, com acesso àquela informação. Ir mais longe do que isto é pretender insinuar a fonte. Eu não sei quem foi, nem estou interessado em saber, o Observador não sabe quem foi, o PSD não sabe quem foi e ninguém ficará a saber. Nem mesmo com a peregrina ideia de pôr a PJ a vasculhar o registo telefónico do jornalista do Expresso por interposto registo de um deputado. Sim, para o efeito pretendido só haveria interesse se no registo de Pedro Delgado Alves houvesse uma chamada para um telefone de um jornalista do Expresso. Sim, o deputado do PSD queria aceder ao registo telefónico de um jornalista. Quando a campanha terminar, faça o favor de se meter ao caminho, senhor Presidente, e avise os deputados que não há Democracia sem liberdade de imprensa. Se quem faz as leis não as conhece, estamos muito mal entregues.»


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