«Donald Trump faz o que quer da NATO, do G7, da ordem liberal internacional e dos líderes europeus. E fá-lo com o à-vontade de quem sabe que ninguém se lhe opõe, seja no Irão ou em Gaza. Há muito que deixou de ser apenas uma figura disruptiva: tornou-se, no palco atlântico, o único ator que realmente importa. Os restantes, de Mark Rutte a Emmanuel Macron, de Úrsula von der Leyen a Keir Starmer, limitam-se a desempenhar o papel de figurantes, uns mais elegantes do que outros, mas todos movidos por um instinto comum: não desagradar a Sua Majestade.
Contudo, mais inquietante do que aquilo que Trump faz é o que a Europa já não faz. Onde estão os Monnet? Os Schuman? Os Bevin ou as Veil? Os Adenauer ou os Delors? Onde estão os adultos na sala? O que nos resta é Mark Rutte. O mesmo que, durante 14 anos como primeiro-ministro dos Países Baixos, não cumpriu a meta dos 2% de investimento em defesa – alcançando-a apenas no ano em que se tornou secretário-geral da NATO – e se opôs ativamente, no Conselho Europeu, à emissão de dívida conjunta para salvaguardar a segurança europeia e ucraniana. O frugal de ontem é o apóstolo da defesa hoje. Não há coerência nem visão, apenas oportunismo.
Desde o seu regresso à Casa Branca, Trump tem testado os limites da diplomacia ocidental com a mesma brutalidade performativa que marca a sua política interna. Reescreve compromissos à sua medida, transforma cimeiras em cultos de personalidade e converte as relações multilaterais em instrumentos de chantagem. A última reunião da NATO, em Haia, foi disso prova evidente. A organização que durante décadas sustentou a dissuasão estratégica europeia, curvou-se perante Trump. Os aplausos ao novo “Kissinger” foram muitos. A dignidade, pouca.
Como se não bastasse, o G7 decidiu isentar as multinacionais americanas de um limiar mínimo global de tributação. Sob pressão da Casa Branca, e perante a possibilidade de um veto de Trump ao acordo da OCDE, os países mais industrializados do mundo cederam. Escudaram-se numa alegada “soberania tributária” dos Estados Unidos, mas o que está verdadeiramente em causa é o colapso de qualquer tentativa de criar regras comuns numa economia global. O sistema justaposto que agora se propõe é, no fundo, um eufemismo diplomático para a impunidade fiscal. A pergunta impõe-se: que soberania resta à Europa?
Trump não é apenas uma anomalia institucional. É o sintoma de um ecossistema mediático e político que recompensa o ruído em detrimento da substância. A sua interrogação favorita – how is it playing – substituiu o cálculo estratégico, a ponderação de custos e o interesse nacional. Se uma decisão militar ou diplomática gera um ciclo noticioso favorável, é boa. Caso contrário, deve ser disfarçada, distorcida ou pura e simplesmente negada. O que não aparece no ecrã, não existe. O que não cria drama, não tem valor.
O estilo de Trump é o do homem que exige ser protagonista mesmo quando os holofotes deviam estar virados para os factos.
E neste enredo, a Europa não passa de um ator secundário. O continente que outrora se uniu aos Estados Unidos para forjar a ordem liberal resigna-se agora a uma posição subalterna. Em vez de resistir, ajoelha-se. Em vez de liderar, segue. Em vez de propor, aquiesce. Nem mesmo a Alemanha, que jurou recuperar o seu lugar como eixo da estabilidade atlântica, contraria Washington, preferindo consensos apressados perante a possibilidade de impostos alfandegários de 50% a partir de 9 de julho. Já a França, apesar dos reflexos gaullistas do seu Presidente, não conseguiu evitar ser arrastada para o jogo da adulação. As elites europeias – herdeiras de Monnet e Delors – perderam o pé: confundem realismo com resignação, diplomacia com subserviência.
E Portugal? Participa nos rituais, mas raramente os questiona. Critica, nas entrelinhas, a hesitação de Espanha e gaba-se, nos bastidores, de ser ponte entre aliados. Proclama hoje 3,5%, como ontem proclamava 2%, com o mesmo entusiasmo retórico e a mesma vacuidade estratégica. Orgulha-se de ser membro fundador da NATO, como se a história bastasse para legitimar a irrelevância. Mas que valor acrescenta? Que influência exerce? Servirão as Lajes para justificar tudo? A ausência de uma posição inequívoca sobre a Palestina, a complacência perante o constante bloqueio no seio do Conselho Europeu e o seguidismo acrítico em relação a Washington revelam um país que também renunciou a ter posições próprias. Não se trata da presença em fotografias de grupo, trata-se de saber quando dizer sim e quando dizer não.
A questão, afinal, é simples. Quer a Europa continuar a existir como ator relevante, ou limitar-se a ser um apêndice da Casa Branca? Se a resposta for a primeira, então impõe-se uma refundação da sua arquitetura. Uma união fiscal verdadeira. Uma política de defesa realmente comum. Uma política externa capaz de superar o veto e a paralisia da unanimidade. Uma rutura clara com o infantilismo atlântico e a assunção plena da idade adulta geopolítica. Não para se opor aos Estados Unidos, mas para poder escolher livremente quando estar ao seu lado. Não há soberania partilhada quando apenas uma das partes dita as regras. Recordar a inércia europeia é apenas o começo. Convém perguntar por que falhámos em criar uma União da Defesa, mesmo depois da Crimeia. Porque não temos política verdadeiramente comum para o Indo-Pacífico, África ou Médio Oriente? E porque continuamos a reagir a Washington, em vez de nos prepararmos para os nossos próprios dilemas estratégicos? A cimeira da NATO expõe esse vazio. Ao omitir a China, que já garantiu que não deixará cair a Rússia, confirma a visão da Aliança como um instrumento de um só homem. Ao legitimar um ataque preventivo ao Irão, contribui para colocar em causa o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. Ao evitar falar sobre Gaza, sobre a fome deliberada, os armazéns destruídos, as crianças a morrer à sede, abdica do papel de árbitro e aceita o de espectador cúmplice.
É por isso que a pergunta resiste e se torna mais premente a cada capitulação: onde estão os estadistas? Não os gestores do quotidiano, os calculistas de cimeira, os Ruttes do presente, mas os Monnets. Os que pensaram em décadas, não em ciclos noticiosos. Aqueles que ergueram instituições, não os que se escondem atrás delas. Os que traçaram horizontes comuns quando outros hesitavam; os que avançaram quando todos recuavam. Se não regressarem, a Europa reduz-se a um mero mercado, um espaço de deferência, um museu: politicamente periférica, moralmente esgotada, militarmente irrelevante.
A história não espera pelos indecisos – muito menos pelos subservientes.»

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