4.8.25

O “afinal” sobre Gouveia e Melo

 


«Tenho lido e ouvido por estes dias que Henrique Gouveia e Melo pode, afinal, não vir a ganhar as eleições presidenciais. Este "afinal" (dito com esta e com outras palavras) não é bem um afinal. Não é que Gouveia e Melo tenha tido um faux pas tão grave que lhe custe as eleições; que tenha surgido um inesperado candidato ganhador; ou que alguma inesperada condição se tenha materializado e alterado profundamente a dinâmica da corrida.

As minhas competências de analista político não me permitem ir além de dizer que o eventual candidato Tino de Rans provavelmente não tem hipóteses de chegar a Belém. Mas um bom leitor, ouvinte ou espectador percebe que o "afinal" destes dias é só um afinal em relação àquilo que foi escrito e dito por muitos dos que narram a vida política. É uma manifestação de uma surpresa que não surpreendeu mais ninguém.

Não era universal, mas era generalizado na opinião publicada que Gouveia e Melo seria o próximo Presidente. Estávamos (e ainda estamos) a longos meses da ida às urnas. A dada altura, a previsão de um militar na presidência era feita sabendo-se que haveria duas eleições de permeio, o que não podia ser factor de somenos. Havia as sondagens, que davam ampla margem ao militar e que, entretanto, mudaram. Mas não creio que as sondagens tenham enformado todas as opiniões publicadas. Parece ter-se dado o caso de as sondagens terem ido ao encontro de opiniões formadas (e, em alguns casos, publicadas) muito antes.

Suspeito de duas falhas metodológicas, não mutuamente exclusivas, nas previsões de quem pôs Gouveia e Melo na presidência e está, afinal, a duvidar do que disse.

Uma delas é a ideia abstracta de "o país" ou "os portugueses", que neste caso foi consubstanciada em argumentos do género "o país tem uma queda por militares", "os portugueses gostam de fardas" ou "o povo não resiste a uma voz de comando". Pelo meio, também umas coisas sobre sebastianismos, sobre a altura de Gouveia e Melo e até sobre os seus olhos azuis. Esta última é uma característica pela qual alguma opinião publicada parece ter enlevo. Há alguns anos, escreveu-se ampla prosa sobre os olhos azuis na vida nacional: os de um primeiro-ministro e os de um tecnocrata da troika (Mr. Blue Eyes, chamavam-lhe). Está por provar que a tonalidade ocular valha votos.

A questão é que o país e os portugueses não são "o país" e "os portugueses" usados em muita da opinião publicada. Esta ideia é, conceptualmente, uma espécie de prima da ideia de “identidade” que hoje é a base do debate político: pressupõe que pessoas com traços comuns ("o país" são as pessoas com o traço comum de não escreverem nos jornais ou falarem na TV) querem mais ou menos as mesmas coisas e agem mais ou menos da mesma maneira; ou, pelo menos, que uma grande maioria delas é assim, e que isso é suficiente para decidir eleições. É uma ideia errada, como se tem visto repetidamente.

Outra hipótese para justificar algumas das previsões que agora motivam "afinais" pode ser o reflexo muito humano de querer viver tempos interessantes, a que a opinião publicada não é imune. Ponha-se o leitor no lugar de quem tem de comentar todas as semanas a vida política nacional e pense nas alternativas: um Presidente ex-líder do PSD e comentador televisivo; ou um Presidente ex-líder do PS e comentador televisivo. Compare-se isto com o cenário de um Presidente militar (só por si, inédito em quatro décadas), numa altura em que a segunda força no Parlamento é um partido de direita radical. Mesmo para os que não gostam politicamente deste cenário, é nele que a história se torna única e interessante. E é difícil resistir a isso.


1 comments:

Albino Manuel disse...

Muito trabalha a direita para pôr em Belém o boneco de Famalicão, seu candidato oficial, ou, melhor ainda, a gelatina que foi SG do PS, o seu preferido. Veremos. Tinha graça se Centeno lhes aparecesse pelo caminho.