27.11.25

Ucrânia, Gaza e Venezuela: é sempre a lei do mais forte

 


«À hora que escrevo ainda não se conhecem os termos da nova proposta de acordo, já com os contributos da Ucrânia, mas a Rússia apressou-se a dizer que são inaceitáveis, o que nos faz adivinhar uma paz injusta, mas distante. Antes disso, o plano de Trump era, linha a linha, a tradução política do que Putin desejou nestes anos. Congelava o conflito com ganhos territoriais para a Rússia (mesmo em zonas hoje controladas por Kiev), normalizava a anexação de facto, condicionava a soberania ucraniana e reduzia substancialmente as forças armadas do país invadido. Uma “capitulação”, como respondeu Zelensky, que tornaria o país num satélite russo.

Ter sido redigido a meias com Moscovo, como já está mais do que detalhado na imprensa internacional, não apanhou ninguém de surpresa. Também não surpreende a ausência da Europa das negociações sobre o maior conflito militar no continente em oito décadas. A redução do maior bloco económico do mundo ao papel de comentador político revela não apenas a sua fraqueza militar, mas a irrelevância política de uma união que passou as últimas duas décadas concentrada em salvar uma moeda disfuncional, negligenciado tudo o que interessava.

Trump nunca escondeu ao que vinha. Ainda assim, a Europa não acreditou. Ou nunca se preparou, o que vai dar ao mesmo. Um acordo agora é muito pior para a Ucrânia do que teria sido há dois anos ou há um ano e meio, porque as forças ucranianas perdem terreno todos os meses e Zelensky tem o seu núcleo político envolvido num gigantesco caso de corrupção que tem desviado o dinheiro reservado para a construção de abrigos contra os mísseis e drones. E porque, agora, é Putin quem tem um aliado na Casa Branca.

Há muito que é claro que a Ucrânia não tem meios para reconquistar todo o território, contrariando o que vinha sendo a base negocial de Zelensky com o apoio da União Europeia. Negar o que é uma evidência só serviu para reduzir a capacidade negocial da Ucrânia. A irresponsabilidade europeia, sem capacidade militar para suportar o seu irrealismo político e sem união política para o financiar, deixou a Ucrânia nas mãos do líder norte-americano mais próximo de Moscovo de que há memória.

A defesa da Ucrânia ergueu-se à volta de um argumento moral: estão em causa o direito internacional e a resistência à lei do mais forte. Neste caso, tratava-se de proteger a integridade territorial de um país que abdicou do arsenal nuclear em troca de garantias de segurança e de recusa de guerras de expansão territorial que a Europa jurou ter enterrado em 1945.

Esse chão ruiu com Gaza. O apoio explícito ou a conivência silenciosa perante bombardeamentos indiscriminados, fome organizada e punições coletivas esvaziou o discurso europeu e matou grande parte do apoio dentro e fora da Europa. Quem antes via na Ucrânia “a primeira linha da ordem internacional” passou a ver um conflito regional com tratamento preferencial. Os países em vias de desenvolvimento, ou do sul global, não têm qualquer dificuldade moral em furar as sanções à Rússia.

A Venezuela, com milhares de marines norte-americanos junto às suas águas territoriais, parece ser a moeda de troca. Já nem são precisas provas forjadas para uma mudança de regime, como aconteceu na Guerra do Iraque, agora basta dizer que o presidente da Venezuela é terrorista enquanto se faz as contas ao petróleo do país. Mesmo que, como já veio no The New York Times, o “Cartel de los Soles” não exista. Não é uma organização real, mas um termo usado no país há várias décadas para designar redes de militares corruptos. Um termo pejorativo transformado em entidade fantasma para legitimar a narrativa da próxima intervenção norte-americana.

Trump é coerente na brutalidade. Vê a política internacional como um mercado sem árbitro, onde os fortes impõem e os fracos acomodam. A sua visão é muito mais próxima da de Putin, algo que ficou bem claro quando insultou Zelensky na Casa Branca, acusando-o de ser o responsável pela guerra ao insistir em defender o país quando “não tem cartas” para se opor à Rússia. E volta a ficar claro quando aceita o retorno às esferas de influência: a Ucrânia é quintal de Moscovo, a América Latina de Washington.

O desfecho da guerra da Ucrânia revela uma derrota de uma Europa frágil que continua a apostar numa aliança atlântica que a torna refém. Tudo resulta de erros anteriores. A eles, junta-se um fracasso moral, que acontece aos olhos do mundo. Enquanto diz que Putin é um perigo para as leis do mundo, a Europa é complacente ou aliada de Netanyahu e de Trump, fechando os olhos ao que se passou em Gaza e está prestes a acontecer na Venezuela. O único incómodo que sente é estar, no caso da Ucrânia, do lado mais fraco. Infelizmente, a moral e o direito internacional não são para aqui chamados.»


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