14.6.21

Ó tio, o arraial foi giríssimo

 


«A Iniciativa Liberal (IL) foi uma lufada de ar fresco, um partido liberal que chegou com vinte anos de atraso ao Parlamento e finalmente institucionalizou um espaço para uma ideologia subrepresentada. Fez uma boa campanha nas legislativas, tomou posições relevantes na Assembleia, apoiou o candidato surpresa nas presidenciais e trilha um caminho de relevância, se ganhar estrutura partidária e maturidade política. É compreensível que ainda não as tenha, mas é incompreensível que não perceba que precisa delas. Que não perceba que a sua consistência ideológica é ainda limitada, quase exclusivamente à economia e ao deslumbre com os anos 80 de Thatcher e Reagan. Que não perceba que a irreverência da comunicação é eficaz ante o cinzentismo dominante, mas que há coisas que não são irreverentes, são infantis. Disparar setas a retratos de adversários políticos é pior que mau gosto, é metáfora de associação de estudantes. O “decapitar” de André Ventura e o “extermínio” de Susana Garcia também são metáforas.

O arraial de Santo António do IL foi uma tolice pegada, em que o partido não inspirou nem se abriu, confinou-se numa ilha de doçuras e travessuras, e fez pouco dos lisboetas, da DGS, dos adversários políticos e de si próprio. Há vários argumentos para criticar a festança, mas deixo para o fim um menos evidente. Os mais evidentes foram o recurso ao privilégio legal concedido a manifestações políticas para fazer uma sardinhada; foi não garantir regras de segurança sanitária, deixando amontoar desmascarados junto ao palco num “e quem não salta!” que, sei lá, deve ter sido o máximo; foi gozar com a cara dos lisboetas dos bairros que viram vedada a festa popular mais importante da cidade e com a função das forças de segurança que à mesma hora mandavam destroçar jovens e turistas no Bairro Alto; foi entrar em contradição com o que disseram da festa do Avante!, que ao pé desta pândega foi de uma disciplina militar; foi arriscar surtos num concelho que travou no desconfinamento e corre o risco de recuar.

Tudo alta política, portanto. É aqui que quero chegar. O arraial nem uma paródia irónica sobre a política vigente foi. A IL agiu como partido antissistema, ignorando a DGS e rebelando-se com setas de borracha e balõezinhos contra o mesmo sistema institucional que, aliás, a respeitou institucionalmente, deixando-a fazer comédia de um direito democrático. A IL tem debatido com argumentos válidos a suspensão de direitos constitucionais, criticou a banalidade do Estado de Emergência e tem canalizado a zanga de muitos contestatários aos confinamentos rápidos e aos desconfinamentos lentos. Os que não são negacionistas têm argumentos que vale a pena analisar e rebater, até porque o equilíbrio entre controlo sanitário e os impactos económicos e na saúde mental implica decisões controversas. Mas a IL não falou disso nem desses nem para esses, fez uma patuscada para gozar com o país contagiando-se de “vão à fava!”.

Foi um arraial giríssimo. Agora dá para a IL voltar a ser um partido sério? Sei lá, comece por crescer um bocadinho, ‘tá a ver?»

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1 comments:

- R y k @ r d o - disse...

Por vezes o sucesso sobe muito alto. O pior é a "queda"...
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Uma 2ª feira feliz
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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