Texto de Fernando Penim Redondo
(também publicado em http://dotecome.blogspot.com)
Fernando Penim Redondo desenvolveu a sua actividade profissional no domínio dos Sistemas de Informação, nomeadamente na IBM. Publicou, juntamente com Mª Rosa Redondo, Do Capitalismo para o Digitalismo ( Campo das Letras, 2003). Actualmente, é um fotógrafo exímio e um cibernauta compulsivo.Foi membro do PCP durante 27 anos.
Nasci numa família um pouco esquizofrénica no plano religioso.Por um lado o meu pai era, e ainda é aos 94 anos, profundamente anticlerical. Por outro, a minha mãe foi praticando abnegadamente o catolicismo até que, depois do 25 de Abril e com mais de 60 anos, se afastou irremediavelmente da igreja.
Eu, levado pela minha mãe desde muito cedo, frequentei as missas e só nos meus dezasseis anos me "zanguei" com a igreja sob o pretexto das perguntas indiscretas, e insistentes, durante a confissão dos meus ingénuos "pecados sexuais".
A maravilhosa disponibilidade da adolescência levou-me directamente da admiração pelas realizações do Salazar, descritas ao pormenor no Diário de Notícias, para a militância clandestina no PCP, em 1966. Devo isso a alguns amigos que me acompanharam, e acompanham, ao longo da vida.
Vem isto a propósito do livro da Joana,"As Brumas da Memória", para que se perceba por que vou dizer aquilo que vou dizer.
A juventude é dada aos fanatismos e eu, confesso, pensei durante muito tempo que os fanatismos se dividiam entre os bons, que eram os nossos, e os maus que eram os dos outros. No caso dos católicos progressistas a imagem que eu tinha, na minha fase militante da juventude, era mais a dos equivocados que embora subordinados a um fanatismo dos maus queriam "dourar a pílula" com uns "tagatés" ao contrário.
Uma vez ou outra o funcionário do Partido com que na altura me encontrava lá mencionava uma vigília qualquer, como quem diz "não estamos sós", mas a coisa tinha um certo ar folclórico quando comparada com as elaboradas técnicas conspirativas que nós praticávamos.
Só muito mais tarde a vida me ensinou a abominar os fanatismos todos. O meu problema agora é cuidar, todos os dias, de não os abominar fanáticamente.
Tal como os vírus que habitam, sem consequências, os nossos corpos também o fanatismo, nas suas várias formas, pode permanecer inócuo. Em determinadas circunstâncias degenera em formas agudas de imposição aos outros de "verdades inquestionáveis". A cadeia de raciocínios é simples: se a "verdade" é inquestionável torna-se incompreensível que alguém a não queira ou que a ela resista; essa recusa da "verdade" indicia incapacidade ou perfídia; em qualquer dos casos, como a "verdade" é inquestionavelmente favorável, resulta legítimo impô-la aos relapsos mesmo contra a sua vontade.
O facto de rejeitarmos o fanatismo não significa que devamos rejeitar a adesão a ideais, ideologias, misticismos ou utopias. Significa, isso sim, a adopção da relatividade e falibilidade dos julgamentos humanos que reserve para casos extremos, prementes e inevitáveis, a substituição da persuasão pelo uso da violência física ou intelectual.
Talvez por tudo isto penso que a Joana escreveu o livro no tempo certo; pelo que vai no mundo, porque há uma geração que começa a despedir-se e, para além de tudo o mais, porque só agora eu já estou em condições de o ler.
Se tivesse escrito antes talvez eu não fosse capaz de apreciar a hábil mistura de marcantes experiências pessoais, episódios pitorescos e verdadeiros "factos históricos".
Talvez a ternura com que os leio não tivesse sido possível.
1 comments:
P.S. (em forma de comentário)
Já depois de ter escrito este texto, e outros em que referi a questão do fanatismo, tive acesso ao fabuloso "Contra o Fanatismo" de Amos Oz.
O livrinho foi distribuído com o jornal Público e eu recomendá-lo-ia em todas as escolas.
Posso dizer que encontrei uma "alma gémea" e que subscrevo tudo o que o livro diz; gostava muito de ter o seu talento e não me importo nada que os meus escritos pareçam plágios de Amos Oz.
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