26.8.07

As cartas de Madre Teresa

A revista Time publicou há dois dias um longo artigo sobre um conjunto de textos de Madre Teresa de Calcutá (MTC), agora reunidos em livro que será lançado no dia 6 de Setembro, nos Estados Unidos: Mother Teresa: Come Be My Light.

Trata-se de cartas que a religiosa escreveu a superiores e a confessores e nas quais relata como, ao longo dos últimos cinquenta anos da sua vida, viveu praticamente sempre em profunda crise de fé, indo ao ponto de pôr em causa a própria existência de Deus.

São já conhecidos muitos excertos desses textos. Alguns exemplos:
«É tão dolorosa esta dor desconhecida – não tenho qualquer fé.»
«Quanto a mim, o silêncio e o vazio são tão grandes que olho e não vejo, escuto e não oiço.»
«Às vezes, sinto a terrível perda de Deus. Sinto que Deus não é Deus e que ele não existe realmente.»
«O sorriso é uma máscara ou um manto que cobre tudo.»


Porta-vozes da Igreja já vieram dizer que nada disto fará parar o processo de canonização de MTC – nada de extraordinário.

O que me choca – e muito – é saber-se que MTC sempre desejou que estes seus estados de alma se mantivessem secretos e que, publicamente, nunca deixou de dar testemunho de uma fé inabalável, nomeadamente no discurso que proferiu quando recebeu o Prémio Nobel da Paz em 1979. Mais: ela pediu expressamente que estas cartas fossem destruídas. Tinha ou não direito a que este seu desejo fosse respeitado?

O reverendo Brian Kolodiejchuk, que tem a missão de reunir elementos a favor da canonização, considera que estes textos são importantes porque reforçam a evidência do espírito de sacrifício a favor dos mais desfavorecidos (mesmo sem o «conforto» da fé). E dá esta justificação extraordinária que pode ser ouvida no pequeno vídeo da BBC que insiro no fim deste post:

«As vidas dos santos são pessoais mas não são privadas»
.

Vale tudo. O marketing do livro está feito. Só falta que o seu lançamento aconteça no Second Life, com autógrafos de um avatar de MTC.

1 comments:

sem-se-ver disse...

concordo consigo.

se o senhora tinha expressamente pedido que estes escritos fossem destruidos, deveriam tê-lo sido e quem lhes tivesse acedido deveria ter levado este segredo - esta revelação consigo para a tumba.

o valor moral deveria ter sido pevalecente face ao valor histórico que estes documentos inegavelmente contêm.

eu, ateia, compreendo-a muito bem. deve ser terrível ter crises de fé quando se consagra a vida a Deus. e entendo tais crises ainda melhor dado que a madre teresa sempre viveu no meio dos miseráveis. que mesmo assim tenha sempre esboçado o sorriso 'que esconde tudo', diz da capacidade de abnegação dela. não da hipocrisia.

se já respeitava esta figura, agora, ainda mais.

talvez eu esteja a ficar 'mole' com a idade...