Agosto foi um mês vertiginoso do chamado Verão Quente de 75. Quem o viveu não o terá ainda esquecido, qualquer que fosse a barricada por onde então andava.
Muito, muito resumidamente, para chegar à FUR.
No dia 8, toma posse V Governo Provisório – o último a ser presidido por Vasco Gonçalves – sem a participação de ministros do PS ou do PSD. Iria durar apenas até 19 de Setembro.
Na véspera, tinha sido divulgado o Documento dos Nove, elaborado por Melo Antunes. Como se sabe, foi o ponto de partida para a solução que viria a sair vitoriosa no 25 de Novembro.
Alguns dias depois, mais precisamente em 13 de Agosto, é publicado um outro texto, com orientação diametralmente oposta – o Documento do COPCON – resultado da colaboração entre uma parte do MFA e militantes da extrema-esquerda (nomeadamente da UDP, do MES e do PRP/BR).
No dia 18, Vasco Gonçalves profere, em Almada, um longo e arrebatadíssimo discurso (de cerca de hora e meia, se a memória não me trai), transmitido em directo pela televisão e pela rádio, que soa já a canto de cisne de um processo insustentável. São os dias do «Força, força, companheiro Vasco!», já um tanto desesperados.
Realizam-se várias reuniões entre grupos de militares afectos a um e a outro dos dois documentos. Em 20 de Agosto, constatam que não é possível um entendimento e rompem as negociações.
Nesse mesmo dia, há uma manifestação da extrema-esquerda de apoio ao COPCON, «com a presença discreta do PCP», segundo relatam os jornais da época.
Entretanto é criada, oficialmente no dia 25 de Agosto, a FUR (Frente de Unidade Revolucionária), claramente afecta ao COPCON. Aderem: FSP, LCI, LUAR, MDP/CDE, MES, PCP, PRP/BR e 1º de Maio.
A presença de o 1º de Maio foi mito efémera. Quanto ao PCP, participa numa manifestação da FUR em Belém, no dia 27, e terá saído no dia seguinte. Mas encontrei elementos contraditórios sobre estas datas e sobre motivos concretos para a saída (talvez algum leitor possa ajudar). Uma coisa é certa: o PCP já não convoca o comício da FUR, que viria a realizar-se em 12 de Setembro (ver foto), nem assina o Programa Político que transcrevo pelo seu valor histórico – e porque funcionou, ele também, como um outro canto de cisne, no prenúncio do 25 de Novembro. Julgo que o conteúdo o mostra claramente e dispensa comentários.
«FUR
Por uma
FRENTE de UNIDADE REVOLUCIONÁRIA
1 – A organização da sua autodefesa, em particular, através dos órgãos de Poder Popular, face aos ataques armados da reacção capitalista.
2 – A luta pelo total saneamento dos fascistas e dos sociais-democratas golpistas das Forças Armadas.
3 – A luta pela total liberdade de reunião e organização dos soldados e marinheiros única forma das ADU's serem realmente representativas, democráticas e revolucionárias.
4 – A luta pela repressão exemplar sobre os fascistas e contra-revolucionários de toda a espécie, caciques locais e clero reaccionário, responsáveis pela onda de violência anti-comunista que se vem desenvolvendo em muitas zonas do país.
5 – A luta pela criação de Tribunais Populares capazes de exercerem sobre os contra-revolucionários a justiça de classe dos explorados e oprimidos.
6 – A luta contra o poder dos grupos económicos ainda existentes, pela nacionalização sem indemnizações e sob o controle dos trabalhadores das grandes empresas industriais e agrícolas, dos bancos e companhias estrangeiras no caminho para apropriação colectiva dos meios de produção.
7 – A luta pela generalização do controle operário sobre a produção e pelo controle organizado do povo trabalhador sobre toda a economia.
8 – A luta pelo aprofundamento e generalização da reforma agrária que satisfaça as necessidades e aspirações dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios camponeses organizados nos seus órgãos de Poder Popular, nomeadamente os Conselhos de Aldeia.
9 – A luta contra a carestia de vida que atinge o povo trabalhador da cidade e do campo beneficiando em particular os intermediários e os parasitas.
10 - A luta contra a carestia de vida que atinge o povo trabalhador da cidade e do campo beneficiando em particular os intermediários parasitas.
11 – A luta pela independência nacional face ao imperialismo e a qualquer bloco político-militar, baseada na aliança com os países anti-imperialistas e na solidariedade militante com os trabalhadores de todo o mundo. Isso exige desde logo a saída de Portugal da NATO e o fim do pacto Ibérico.
12 – A luta pela aliança revolucionária dos trabalhadores portugueses com o povo angolano, representado pelo seu único movimento de libertação, o MPLA.
13 – A exigência da dissolução da Assembleia Constituinte e a denúncia do seu carácter burguês.
14 – A luta pela constituição de um Governo de Unidade Revolucionária.- A organização da sua autodefesa, em particular, através dos órgãos de Poder Popular, face aos ataques armados da reacção capitalista.»
Na véspera, tinha sido divulgado o Documento dos Nove, elaborado por Melo Antunes. Como se sabe, foi o ponto de partida para a solução que viria a sair vitoriosa no 25 de Novembro.
Alguns dias depois, mais precisamente em 13 de Agosto, é publicado um outro texto, com orientação diametralmente oposta – o Documento do COPCON – resultado da colaboração entre uma parte do MFA e militantes da extrema-esquerda (nomeadamente da UDP, do MES e do PRP/BR).
No dia 18, Vasco Gonçalves profere, em Almada, um longo e arrebatadíssimo discurso (de cerca de hora e meia, se a memória não me trai), transmitido em directo pela televisão e pela rádio, que soa já a canto de cisne de um processo insustentável. São os dias do «Força, força, companheiro Vasco!», já um tanto desesperados.
Realizam-se várias reuniões entre grupos de militares afectos a um e a outro dos dois documentos. Em 20 de Agosto, constatam que não é possível um entendimento e rompem as negociações.
Nesse mesmo dia, há uma manifestação da extrema-esquerda de apoio ao COPCON, «com a presença discreta do PCP», segundo relatam os jornais da época.
Entretanto é criada, oficialmente no dia 25 de Agosto, a FUR (Frente de Unidade Revolucionária), claramente afecta ao COPCON. Aderem: FSP, LCI, LUAR, MDP/CDE, MES, PCP, PRP/BR e 1º de Maio.
A presença de o 1º de Maio foi mito efémera. Quanto ao PCP, participa numa manifestação da FUR em Belém, no dia 27, e terá saído no dia seguinte. Mas encontrei elementos contraditórios sobre estas datas e sobre motivos concretos para a saída (talvez algum leitor possa ajudar). Uma coisa é certa: o PCP já não convoca o comício da FUR, que viria a realizar-se em 12 de Setembro (ver foto), nem assina o Programa Político que transcrevo pelo seu valor histórico – e porque funcionou, ele também, como um outro canto de cisne, no prenúncio do 25 de Novembro. Julgo que o conteúdo o mostra claramente e dispensa comentários.
«FUR
Por uma
FRENTE de UNIDADE REVOLUCIONÁRIA
1 – A organização da sua autodefesa, em particular, através dos órgãos de Poder Popular, face aos ataques armados da reacção capitalista.
2 – A luta pelo total saneamento dos fascistas e dos sociais-democratas golpistas das Forças Armadas.
3 – A luta pela total liberdade de reunião e organização dos soldados e marinheiros única forma das ADU's serem realmente representativas, democráticas e revolucionárias.
4 – A luta pela repressão exemplar sobre os fascistas e contra-revolucionários de toda a espécie, caciques locais e clero reaccionário, responsáveis pela onda de violência anti-comunista que se vem desenvolvendo em muitas zonas do país.
5 – A luta pela criação de Tribunais Populares capazes de exercerem sobre os contra-revolucionários a justiça de classe dos explorados e oprimidos.
6 – A luta contra o poder dos grupos económicos ainda existentes, pela nacionalização sem indemnizações e sob o controle dos trabalhadores das grandes empresas industriais e agrícolas, dos bancos e companhias estrangeiras no caminho para apropriação colectiva dos meios de produção.
7 – A luta pela generalização do controle operário sobre a produção e pelo controle organizado do povo trabalhador sobre toda a economia.
8 – A luta pelo aprofundamento e generalização da reforma agrária que satisfaça as necessidades e aspirações dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios camponeses organizados nos seus órgãos de Poder Popular, nomeadamente os Conselhos de Aldeia.
9 – A luta contra a carestia de vida que atinge o povo trabalhador da cidade e do campo beneficiando em particular os intermediários e os parasitas.
10 - A luta contra a carestia de vida que atinge o povo trabalhador da cidade e do campo beneficiando em particular os intermediários parasitas.
11 – A luta pela independência nacional face ao imperialismo e a qualquer bloco político-militar, baseada na aliança com os países anti-imperialistas e na solidariedade militante com os trabalhadores de todo o mundo. Isso exige desde logo a saída de Portugal da NATO e o fim do pacto Ibérico.
12 – A luta pela aliança revolucionária dos trabalhadores portugueses com o povo angolano, representado pelo seu único movimento de libertação, o MPLA.
13 – A exigência da dissolução da Assembleia Constituinte e a denúncia do seu carácter burguês.
14 – A luta pela constituição de um Governo de Unidade Revolucionária.- A organização da sua autodefesa, em particular, através dos órgãos de Poder Popular, face aos ataques armados da reacção capitalista.»
8 comments:
É espantoso como hoje FUR, para além de ser o nome de um filme que conta a história da fotografa Diane Arbus, soa a marca de casacos de peles.
Por acaso as peles de animais, como adorno, também caíram em desgraça.
Acho que, neste fim de Agosto, já estou a meter os pés pelas mãos...
Giro é ver estes "revolucionistas" da FUR, na sua grande maioria quase todos tão bem sentadinhos na gamela do poder, alguns até a curvarem espinha ao socratismo
Enfim coisas da vida temos que comer todos os dias não é ?
Fernando,
Estás, de facto, a meter os pés pelas mãos - os radares estão a afectar-te.
Anónimo,
Há certamente gente dos movimentos que integraram a FUR «na gamela do poder», como diz. Mas penso que não «na sua grande maioria» - houve outros partidos mais «produtivos» nesse campo....
Era um miúdo de calções. Deliciei-me pois com outras liberdades. Hoje ao reler este e muitos outros textos da época deixe-me ressaltar a linguagem utilizada, esquizofrénica e furiosa como hoje me ressoa. Como a 25 de Abril era uma criança, espero que o Baptista-Bastos fique satisfeito, ainda hoje mantenho enormes reservas a este tipo de linguajar. Embora hoje compreenda igualmente a sua posição no tempo, mas apenas hoje, ontem era apenas um miúdo a viver a liberdade, queria lá saber o que diziam ou escreviam os mais velhos! Achava então muita piada aos murais (hoje já consigo reconhecer a sua escola estética:maoistas) do MRPP, ao surgir dos auto-colantes e das t-shirt's com os mais variados tipos de referências. Enfim o mundo abria-se-me então e os comunicados da Frente de Unidade Revolucionária queriam de novo fecha-lo (parece-me hoje) por muito boas que pudessem ser as suas intenções. Ainda bem que eram só comunicados!
Olá Joana. Com a conversão da Zita Seabra ao catolicismo coloquei a propósito mais um post: "Sou Assim. Agora sou católica". Aqui: "http://agrandedissidencia.blogspot.com/2007/08/sou-assim-agora-sou-catlica.html.
Sobre a FUR. Pois participei na fundação com o Carlos Brito, das 21h às 5 ou 6 da mnhã, no Centro de Sociologia Militar num anexo ao Palácio das Necessidades com todos esses partidos e grupos e vários militares do MFA incluindo entre outros o cmdt Ramiro Correia que veio a falecer num acidente em Moçambique. Tinha estado durante a tarde, para tentar perceber melhor quem estava naquilo e o que queria, com um dos promotores, amigo de Otelo Saraiva de Carvalho, o Capitão Fernandes, do DGMG de Beirolas, (que nas vésperas do 25 de Novembro distribuiu espingardas G3 a civis e depois andou fugido)
Na altura o PCP participou na expectativa, considerada pouco provável, de um apoio maior ou mais alargado do MFA. A reunião da formação revelou pelas presenças e pelas intervenções que o movimento não tunha sustentabilidade nem política nem social e predominavam posições completamente aventureiras e fantasistas.
Raimundo: Obrigada pelo contributo da sua informação sobre a participação do PCP.
Carlos: Percebo perfeitamente a sua reacção em relação ao PREC. Para muitos de nós que o vivemos, é diferente: com todos os erros e excessos, continuará sempre como a melhor utopia das nossas vidas.
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