25.9.07

Contrabando de almas

A notícia vem no Correio da Manhã de hoje e já foi comentada pelo menos aqui.

A história resume-se facilmente:
- Em Portugal, a pensão de viuvez prescreve se o cônjuge sobrevivente voltar a casar.
- Alguns viúvos caem na tentação de se apaixonar outra vez, mas não querem – ou não podem – perder a pensão. No entanto se, azar dos azares, são católicos, precisam que a Igreja os case. Ou seja: ou perdem a pensão ou são excomungados.
- Com décadas de experiência de contrabando fronteiriço, alguns descobriram que, em Espanha, o casamento religioso não tem efeitos civis e meteram-se a caminho – sem terem agora de o fazer a salto, bastando-lhes ir rapidamente a Vigo ou a Badajoz. Em vez de caramelos, passaram a trazer almas consoladas e mantiveram um B.I. português legalmente enviuvado.

Aparentemente, precisavam de uma qualquer autorização das autoridades eclesiásticas da sua área de residência em Portugal para que as espanholas os casassem. Aquelas (as portuguesas) descobriram o esquema e, comandadas pelo arcebispo de Braga, indignaram-se com a fraude e garantiram que vão impedir que se repita.

Pergunto eu:
Porque é que se metem onde não são chamadas? Não deviam antes regozijar-se por as suas ovelhas não se tresmalharem, não viverem «amancebadas», mas sim abençoadas por um dos seus sete sacramentos? São agora também polícias da Segurança Social junto dos cidadãos? Deixem-nos resolver as suas fraudes com quem de direito.

Afinal, a única desgraça destes piedosos noivos é serem portugueses.
Porque o verdadeiro problema real desta história toda é o facto de o casamento católico ter, em Portugal, efeitos civis. Haverá alguma boa razão para que isto se mantenha apesar da separação entre Igreja e Estado? Se há, não vislumbro qual seja.

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P.S. – As práticas da Igreja perante este tipo de situações (que implicam crentes não casados, divorciados, etc., etc.) é de uma tal crueldade que talvez volte ao assunto. Até porque me andou por perto, já que esteve na origem do divórcio dos meus pais, casados há mais de vinte anos.

1 comments:

Anónimo disse...

Eis uma boa razão para repensar o velho ditado: "de Espanha, nem bom vento nem bom casamento".

Quanto aos malefícios ou virtudes do vento, os agricultores e os meteorologistas que se entendam. Mas, quanto a casamentos e não só, estou em crer que mais tarde ou mais cedo ainda teremos de estender a mão à palmatória de Saramago ...