Foi através de Carlos Freitas que soube que D. Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças Armadas, tinha dado uma entrevista a Maria Flor Pedroso, na Antena 1, no passado Sábado. A mesma pode ser ouvida na íntegra aqui, mas avisa-se que é longa (cerca de 48’).
O Jornal de Notícias on line publicou extractos dos quais destaco alguns:
«JN/Antena 1: Disse uma vez que uma das tragédias em Portugal era a Igreja ser só da e para a Direita. A Igreja em Portugal não está totalmente aberta?
D. Januário Torgal Ferreira: Não, a Igreja em Portugal é totalmente conservadora.
De Direita, portanto.
De Direita nesse sentido. Por isso é que o Papa diz que isto tem de dar uma volta. Pois tem. A mentalidade... Por que é que não se fala do desemprego, da violência contra as mulheres, das purgas contra as crianças, da pouca vergonha instalada na Justiça?
Posso perguntar a um bispo se é de Direita ou de Esquerda?
Costumo dizer eu sei como voto. Venho da Direita. Todos os princípios que recebi são de Direita. Só despertei para os ideais de Esquerda, da justiça social, a partir dos meus 20 anos. São os ideais de justiça social, de solidariedade que competem à Igreja. A Igreja tem coisas fantásticas, de amor, de devoção, de entrega. Mas, não tenhamos medo de dizê-lo: vejo pouca gente da Igreja a defender os direitos humanos. Há, mas pouca.
São os silêncios de que tem vindo a falar?
Sim. Prefiro a ruptura, a discussão. Espero frontalidade, mas, habitualmente, o que se usa é o truque, a hipocrisia.
Viu luz no que o Papa disse aos bispos?
Vi, claro. Ele disse uma coisa muito importante, que é que isto tem que dar uma volta. A Igreja tem de dar uma volta. Também ele, o Papa, em muitas coisas deve dar uma volta.
Que volta? Comecemos pelo Papa antes de falarmos da Igreja portuguesa.
Nós deveríamos ser muito mais escutados por Roma; não deveria haver centralismo. Deveria haver muito mais comunhão.
(...)
No Vaticano II, defendeu-se o recurso a métodos artificiais para controlar a reprodução. Essa parte não está no discurso do Papa.
Não, infelizmente não foi aceite pelo Papa Paulo VI.
Para a Igreja, é pecado. Para si, não é?
Para mim, não é. Para mim, é um instrumento de defesa. Para mim, é um elemento promotor da vida, uma forma civilizada e inteligente de proceder.
Acha que a Igreja portuguesa pode dar a volta que o Papa pediu?
Temos pernas para andar. Teremos de ter humildade de executar, de aplicar, às vezes, coisas simples, decisões que se assumem. A Igreja foi conivente com o regime de Salazar, é coisa que a gente tem que dizer. Não é pedir perdão – que pedir perdão é mudar a nossa vida. Mas a Igreja tem responsabilidade, porque a Igreja é, de facto, Jesus Cristo...»
Estes excertos mostram a frontalidade ou, melhor dizendo, a normalidade com que o bispo diz o que pensa sobre muitos temas importantes.
Mostram também, como já procurei explicar num outro texto que, a meu ver, o problema não está só nem principalmente nos bispos portugueses (porque os há lúcidos como este e alguns outros), mas na própria «sede da multinacional», onde «Bento XVI não demonstra qualquer sentido de abertura da Igreja nem no plano teológico, nem no disciplinar, muito menos no da moral, que lhe confira autoridade prática para exigir que as comunidades católicas se renovem».
Daí o ter-me parecido que o regozijo, que tantos se apressaram a demonstrar pelo «raspanete» dado pelo papa à hierarquia portuguesa, passou ao lado de questões bem mais complexas que se situam a montante.
6 comments:
É um facto a Igreja em Portugal ser toda ela, ou basicamente, de direita, no sentido de ser muito conservadora. E nos outros sentidos também. Mas não é sempre muito conservadora a Igreja? Por definição? Mostrem-me que estou enganado e eu acredito.
Os historiadores (conservadores) explicam o facto batendo na tecla dos hipotéticos maus tratos sofridos pela Igreja portuguesa no período liberal e republicano. Mas isso, se fosse verdade, era só recuar no tempo, não era explicar nada, porque já então - e antes - a Igreja em Portugal era arqui-reaccionária. Com as excepções que, de tão raras, todos conhecemos. Olhando a Espanha, que vemos? Uma Igreja que foi dizimada durante a guerra civil e, no entanto, posteriormente sempre mais avançada e aberta do que a portuguesa, muito mais preocupada com as questões sociais (o episcopado bateu o pé ao Franco nesse campo) e protagonista da transição para a democracia. Nada do que aqui vimos, deste lado da Lusitânia. A explicação obviamente não pega.
A questão é que nunca ninguém ensinou ou motivou a Igreja portuguesa a olhar para o mundo com olhos diferentes. Tarefa grande, difícil e complicada. Era preciso um papa, no mínimo, para mudar alguma coisa nesta situação. E houve um ou dois no século XX que mudaram alguma coisa. Agora, este alemão também já se deu conta do problema: não vão lá só com Fátima e betão, a Igreja é outra coisa. Se calhar já é tarde...
Obrigada pelo seu comentário.
Apenas dois pontos:
1-Pelo que sei, actualmente, os bispos espanhóis são bem mais reaccionários que os portugueses. Mas tem razão quanto ao passado.
2-Este papa é um intelectual e, talvez por essa razão,tem menos afecto por fenómenos como Fátima. Mas é tanto ou mais conservador do que o anterior e quer sê-lo.
... será que no momento em que escrevo este comentário o bispo Torgal Ferreira não terá já acordado morto, vítima de doença desconhecida ... ?
O método não foi criado pelo KGB; já vem de longe. E o Vaticano que o diga ...
a propósito de bispos espanhóis e porque a guerra civil e o franquismo têm estado em debate sistemático neste blog, deixo um link de uma notícia muito recente (de dia 19) que, q eu desse por isso, não teve nenhum eco por terras lusas:
http://www.elpais.com/articulo/sociedad/obispo/Blazquez/pide/perdon/Iglesia/papel/guerra/civil/elpepusoc/20071119elpepusoc_4/Tes
Bispos espanhóis: eu pus ali em cima do lado direito, em GOSTEI DE LER, um «link» para um artigo em que os outros bispos reagiam às afirmações deste e em que o conteúdo do artigo que refere era retomado.
Obrigada!
ups, fui eu então que não reparei. E bem q estava a achar estranho não ter visto, por aqui, nenhuma referência ao assunto.
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