5.4.08

A Fé de Tony Blair


Concorde-se ou não, o discurso sobre «Fé e Globalização» proferido por Tony Blair perante 1.600 pessoas (no passado dia 3, na Catedral de Westminster) merece ser lido – porque é claro, programático e por vir de quem vem (*).

Esqueçamos por um momento (na medida do possível...) que se trata do amigo de Bush, do seu mais entusiástico apoiante na questão da guerra do Iraque, ponhamos entre parêntesis muitas outras coisas. Aceitemos o facto de estarmos a ouvir um recém-convertido ao catolicismo, que, aparentemente, tem um projecto pessoal de uma nova cruzada, versão século XXI – se não para converter, pelo menos para conviver.

Blair vai criar uma Fundação destinada a este seu projecto (fala dela no discurso) e vai leccionar a matéria na Universidade de Yale.

De uma forma muito sucinta, julgo que os três extractos que se seguem podem resumir o essencial do que está na base das suas convicções:

«A fé religiosa é algo de bom, que, longe de ser uma força reaccionária, tem um papel fundamental para moldar os valores que guiam o mundo moderno e pode, e deve, ser uma força para o progresso.»

«A fé corrige, de um modo necessário e vital, a tendência que o género humano tem para o relativismo.»

«Se a fé ocupar o lugar que lhe é devido, podemos viver com um objectivo que está para além de nós, ajudando a humanidade no caminho para a sua realização», (...) «a fé pode transformar e humanizar as forças interpessoais da globalização».


Isto vai bem mais longe, segundo me parece, do que a importância dada à convivência entre as diferentes religiões, que preconiza, por exemplo, a Alliance of Civilizations. Aqui é à própria fé - e não tanto ao diálogo - que é dado o papel decisivo, na medida em que é suposto que ela molde e transforme o homem e, como consequência, «as forças interpessoais da globalização».


Por muitas razões que tenho vindo a apontar neste blogue, por exemplo aqui e aqui, e que não vou repetir, discordo frontalmente deste tipo de aproximação e não acredito minimamente na sua eficácia.

Continuo a pensar que «pôr a religião a desempenhar o papel principal nos assuntos mundiais é como tentar apagar um fogo com gasolina» – como disse Terry Sanderson, representante de uma denominada Sociedade Nacional Secular, precisamente a propósito deste discurso de Tony Blair.

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(*) O discurso pode ser visto, na íntegra, aqui ou lido aqui.

6 comments:

Anónimo disse...

Onde é que podemos subscrever o post?
(o Blair é um tipo perigoso, ele e o seu ar de ratinho dos desenhos animados)

Joana Lopes disse...

Se quer o link, clique no título do post, fuckitall.

Aqueduto Livre disse...

Cara Joana Lopes,

Tenho seguido com interesse, recente, os seus post's sobre e/ou a pretexto da religião, das religiões e, agora, a propósito da conversão de Blair, da FÉ!

Interessa-me esta problemática e ainda (o que eu considero, também, uma impossibilidade)o Diálogo entre religiões e/ou civilizações.

Acredito (doce utopia...) no diálogo da/e no interior da Humanidade humanizante.

Nessa acredito.

Mas apoio TODAS as tentativas, colaterais, mesmo que incipientes, que possam convergir naquilo em que eu creio!

Há dois anos atrás (creio eu)em iniciativa do Grande Oriente Lusitano,no quadro do “ENCONTRO INTERNACIONAL DE LISBOA – RELIGIÕES, VIOLÊNCIA E RAZÃO”, o Padre e e Professor de Filosofia, Anselmo Borges, produziu uma notável conferência, da qual me autorizo a citar um longo pedaço:

“CRENTES, AGNÓSTICOS, ATEUS VIVEM NO MESMO MUNDO, CUJA REALIDADE AMBÍGUA EXIGE INTERPRETAÇÃO. ORA, COMO NOTA O TEÓLOGO ANDRÉS TORRES QUEIROGA, NÃO É PORQUE SE É CRENTE, AGNÓSTICO OU ATEU QUE SE INTERPRETA O MUNDO DE UMA DETERMINADA MANEIRA; PELO CONTRÁRIO É-SE CRENTE, AGNÓSTICO OU ATEU, PORQUE A FÉ OU A NÃO CRENÇA APARECEM AO CRENTE E AO NÃO CRENTE, RESPECTIVAMENTE, COMO A MELHOR FORMA DE INTERPRETAR O MUNDO COMUM.É NESTE HORIZONTE QUE SE ENQUADRA O DIÁLOGO ENTRE RELIGIÕES, COM QUATRO PILARES FUNDAMENTAIS:

1.DESDE QUE SE NÃO OPONHAM AO HUMANUM, PELO CONTRÁRIO, O AFIRMEM E PROMOVAM, TODAS SÃO REVELADAS E VERDADEIRAS, O QUE NÃO SIGNIFICA QUE SEJAM IGUAIS.
2.TODAS SÃO RELATIVAS, NUM DUPLO SENTIDO. SÃO RELATIVAS PORQUE NASCERAM NUM DETERMINADO CONTEXTO GEOGRÁFICO, SOCIAL, ECONÓMICO E ATÉ RELIGIOSO. SÃO RELATIVAS TAMBÉM NO SENTIDO DE QUE ESTÃO TODAS REFERIDAS AO SAGRADO, MAS NENHUMA O DIZ PLENA E ADEQUADAMENTE. PRECISAMENTE POR ISSO, DEVEM DIALOGAR PARA MELHOR TENTAREM DIZER O MISTÉRIO QUE A TODOS REÚNE E TRANSCENDE. (…) TORNA-SE CLARO QUE É NECESSÁRIO TIRAR OUTRA CONSEQUÊNCIA FUNDAMENTAL. SE AS DIFERENTES RELIGIÕES NASCEM NUM DETERMINADO CONTEXTO HISTÓRICO, GEOGRÁFICO, CULTURAL, MORAL E ATÉ RELIGIOSO, ISSO TAMBÉM IMPLICA QUE OS TEXTOS SAGRADOS DAS DIFERENTES RELIGIÕES NÃO SÃO DITADOS POR DEUS E, POR CONSEGUINTE, NÃO PODEM SER LIDOS LITERALMENTE – EXIGEM UMA LEITURA HISTÓRICO-CRITICA.
3.DESTE DIÁLOGO FAZEM PARTE TODOS OS SERES HUMANOS, TAMBÉM OS ATEUS. POR DUAS RAZÕES FUNDAMENTAIS. EM PRIMEIRO LUGAR, PORQUE O QUE, ANTES DE MAIS, NOS UNE A TODOS É A HUMANIDADE E O QUE SE REFERE À HUMANIDADE. ORA, TAMBÉM A RELIGIÃO E AS RELIGIÕES SÃO QUESTÃO DE HUMANIDADE. DEPOIS, PORQUE FORAM E SÃO ELES – OS ATEUS E OS AGNÓSTICOS – QUE PODEM PREVENIR PARA O PERIGO DA SUPERSTIÇÃO E DA DESUMANIDADE DAS RELIGIÕES.
4.SE A RELIGIÃO E AS RELIGIÕES ESTÃO LIGADAS AO MISTÉRIO, AO SAGRADO, QUE TUDO PENETRA E ENVOLVE, O RESPEITO PELO OUTRO SER HUMANO, CRENTE OU ATEU, E A SALVAGUARDA DA CRIAÇÃO, NÃO SÃO ALGO ACRESCENTADO À RELIGIÃO – SÃO EXIGIDOS PELO SEU PRÓPRIO DINAMISMO. CRITÉRIO DECISIVO DA RELIGIÃO É O ETHOS (CARÁCTER…HÁBITO… COSTUME…) A FAVOR DE TODO O HOMEM E DO HOMEM TODO.”

Peço-lhe desculpa por abusar do pensamento do Padre Anselmo Borges e por "esconder" o meu pensamento de Ateu convicto, mas estou certo, cada vez mais, que a MINHA verdade não pode, NUNCA, ser um absoluto.

Tendo convicções e preferindo esta, áquela outra tese/teoria, deixei, faz tempo, de subscrever uma IDEOLOGIA, estanque, não se deixando penetrar por qualquer outro apport, circular, alimentando-se, engordando e emagrecendo, no seu interior, tal como uma casulo do bicho da seda.

Hoje sou capz de olhar para o OUTRO, não como UM inimigo a exterminar, mas sem o qual eu não sobrevivo.

Hoje, neste sentido, sou um aristotélico impenitente: "O homem é um animal, racional e social!"

Aqui, no social, está TODA a diferença. Eu não existo - se o OUTRO não existir!

A conversa já vai longa.

Mil desculpas pelo abuso, mas descobri o seu blog há pouco tempo e gostei. Muito.

Soube, por amigos comuns, que partilhámos, faz décadas, mesmas geografias e tempos históricos coetâneos...

Aceite os protestos da minha consideração e, ainda, admiração,

José Albergaria

João do Lodeiro disse...

Está tudo como manda o primeiro comentador...

João do Lodeiro disse...

Eu aconselharia todos, principalmente Blair, a ler Bertrand Russell. Pelo que vi, Blair tem muito a aprender com o seu conterrâneo Lord Russell.

Joana Lopes disse...

Caro José Albergaria,

Muitíssimo obrigada pelo seu comentário, tão enriquecedor e certeiro, e também pela sua simpatia. Fico sempre feliz quando encontro novas pessoas com interesses afins na blogosfera. Vou passar pelos seus blogues.

Já agora: quem são os nossos amigos comuns, as mesmas geografias (Bélgica?), etc... Se quiser partilhar, pode ser por mail (está no meu perfil).

Saudações amigáveis