A Ana, filha de José Cardoso Pires, iniciou hoje uma cadeia de mails que fomos trocando ao longo do dia. Acabou por me mandar, a meu pedido, o texto que leu ontem, na sessão de lançamento de Lavagante (edições Nelson de Matos) e da entrega de parte do espólio do escritor à Biblioteca Nacional.
Aqui fica - com grande prazer e alguma emoção.
«Há pouco, sentada no escritório do Zé, em casa da minha mãe, no meio de caixotes e pastas que ele não conheceu, recordava outros escritórios do Zé. Aqueles que ele enchia de fumo; de papéis pelo chão; de chá com limão, de água ou leite gelados; de prolongados silêncios; de ataques de mau génio. Mas sobretudo de memórias.
No escritório do Zé, raramente entravam amigos e copos de uísque. Era um espaço concentracionário, incaracterístico, independente, onde mantinha engaiolados os demónios da escrita, que se empenhava em domar ou provocar, conforme as marés.
O escritório do Zé ainda hoje existe – e ele nem o conheceu na sua localização actual e na versão estaleiro de obras. No entanto, estou certa de que o reconheceria sem hesitações: uma grande janela, por onde entram vozes anónimas em diálogos longínquos, e as estantes transbordando de livros e papéis de muitas memórias.
O escritório do Zé mudou várias vezes de espaço físico. Sempre com o mesmo desprendimento pela qualidade do mobiliário, sucessivamente recauchutado por ele próprio para se adaptar a necessidades de momento. Pormenores. Permanecia o importante: os livros e os papéis de apoio da memória.
Por isso, o que hoje nos traz aqui, a cerimónia a que assistimos, foi o lançamento da primeira pedra do novo escritório do Zé. Agora com estantes novas e aberto a quem o queira conhecer. Através dos livros e papéis da sua memória.
E como nos dias de festa, cantam as nossas almas: p’ró menino José, uma salva de palmas.»
2 comments:
Que emocionante!
Que linda maneira de o recordar!
Um retrato do Zé como ele merece.
Obrigada, Joana, pela insistência e por no-lo dar a conhecer
De nada, Júlia.
JCP merece.
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