17.11.08

Reciclagens fáceis

João César das Neves deve ter umas luzes sobre teoria dos conjuntos e sabe muito bem que aquele que inclui quem defendeu planos quinquenais e ditadura do proletariado apenas intersecta o dos defensores de «aborto, eutanásia, divórcio e homossexualidade». Mas diz o contrário. É fácil baralhar para querer confundir, mas nós não somos todos completamente parvos. Nem reciclados. Nem achamos que «o futuro a Deus pertence» – por muito que ele assim o deseje.

«Na guerra civilizacional de hoje, também os que atacam a vida e a família se acham donos do futuro, menosprezando os opositores como fósseis. Também agora o progresso e a liberdade só se imaginam com aborto, eutanásia, divórcio e homossexualidade, como antes com plano quinquenal, ditadura do proletariado e cooperativas forçadas. Aliás, não só a retórica é semelhante, mas reencontramos nas batalhas os veteranos derrotados do dirigismo económico, reciclados em defensores da liberdade de costumes (...). Empresa e mercado eram instituições que, embora naturais, tinham e têm traços particulares controversos, que podiam e podem ser contestáveis. Mas vida e morte, família e casamento, sexo e amor não são elementos volúveis e discutíveis, ao sabor da opinião momentânea. Os novos progressistas escolheram para alvo de contestação traços fundamentais da natureza humana. Esquecem que o futuro a Deus pertence.»

6 comments:

NG disse...

Fiquei baralhado com o seu comentário. Acho o texto de J.C.N. muito claro. Não percebi onde é que ele diz o contrário do que sabe. Porque concordo com ele e também acho que ninguém é dono do futuro, o futuro a Deus pertence, gostava, sinceramente, de o ver rebatido com mais clareza.

Joana Lopes disse...

Desculpe se não fui clara. O que quis dizer é que CdN fala dos derrotados do marxismo como reciclados para as questões que enumera (aborto, etc.), quando sabe muito bem que há muitos deles que não defendem estas questões e, sobretdo, que existem numerosas pessoas que até são e sempre foram politicamente de direita e que as subscrevem (as tais questões normalmente apelidadas de fracturantes).

Quanto ao «futuro a Deus pertence», que cada um fique na sua: para mim, ele pertence-nos a nós homens, que vamos andando por este mundo e construindo o futuro.

Anónimo disse...

O que diz é verdade. Mas se observarmos as percentagens julgo de J.C.N também tem razão.
Não me parece que o percurso ideológico retire ou acrescente força a um argumento mas talvez seja um pouco mais que coincidência.
É uma tentação confundir uma árvore com a floresta. Confesso-lhe que quando, no post anterior, a vi citar um disparate proferido por um padre católico me pareceu, de algum modo, sugerir que aquela afirmação tonta implicava alguém mais do que o seu autor. Agora percebo que não será assim. Ainda bem.

Sobre o futuro, há muitas maneiras de dizer que depende também mas não só de nós. No fundo, sobre isso, acho que estamos de acordo.

MFerrer disse...

Se o Futuro a Deus pertence, bastaria olhar para trás, para a História, e ver como Deus sempre foi duma ausência confrangedora e duma incompetência previsional que milhões de inocentes pagaram com língua de palmo!
P.ex.: ?Quando o Bush foi eleito os desgraçados que iam morrer nas Torres e nos desertos das Arábias não foram avisados do "futuro"? Nem uma palavrinha? Uma crónica do iluminado JCN? Uma bulazinha? Nada?
É como digo. Um incompetente esse Deus,latifundiário do Destino!
MFerrer

Anónimo disse...

Outra tentação é quendo se fala em Deus pensar logo no senhor das marionetas.

Anónimo disse...

A leitura deste artigo de João César das Neves foi-me incómoda. Aquele futuro, sem aspas, “que é a mais ambígua das realidades” e aqueles “donos do futuro”, que, afinal, não o são porque “o futuro a Deus pertence”, parecem-me, não serem coisa alguma. Estarão aqui predestinações ou teleologias, não clarificadas ou não simplesmente enunciadas . Ambíguas como o “seu” futuro?.
Mas o artigo de J.C.N. está aí. E fez-me lembrar algo que alguém disse. Alguém que eu não identifico para não ofender J.C.N. que eu julgo não merecer de todo qualquer comparação que pudesse ficar sugerida. O tal personagem teria dito, mais ou menos, eu quando faço um discurso procuro produzir um efeito.
Será que a “militância” de J.C.N. o leva tão longe. Tudo aqui aparece confundido. As opções de valores confundem-se com os votos entre dois canditados, um republicano, outro democrata. E é o próprio J.C.N. que fala numa “complexa eleição”. Pelos vistos mais complexa do que julga. E os entusiasmos e desânimos de vários quadrantes são perfeitamente naturais (e de utilidade, claro)
Fala dum “embate civilizacional”, o 1º, existindo ainda há 20 anos, entre a empresa e o mercado contra os “agressores” da sociedade socialista e da economia planificada. E completa que estes mostravam uma “raiva e arrogância imparáveis”. Pelos vistos foram parados, e não foi por quem se “defendia” evangelicamente. E hoje, para animar a História, aqui estamos nós numa tentativa de travagem dos efeitos “perversos” do mercado. Hoje mesmo em que J.C.N. nos vem falar desse tão vitorioso mercado. Hoje mesmo em que não se falará doutra coisa.
Depois da outra guerra, J.C.N. vê hoje uma nova guerra civilizacional. Citando, a propósito, Marx, acontecendo, contudo, que foi a despropósito. Os “novos protagonistas” ”escolheram... traços fundamentais da natureza humana”, e JCN, como que amalgamando dois conjuntos, o dos marxistas (diga-se comunistas e, na minha opinião, devia calar-se “marxistas”) e o dos novos “progressistas”, os que atacam aqueles valores eternos da natureza humana, prognostica também para estes uma derrota idêntica à que os outros já tiveram.
Estes vários grupos estão misturados e sobrepostos. Porque faz jeito? Porque produz o resultado desejado? Daí o meu incómodo. Quero pensar J.C.N. como homem honesto. Parece-me ter inteira razão a Joana Lopes, embora J.C.N. não devesse provocar-lhe de forma tão frequente, um incómodo que me parece idêntico ao meu.
J.C.N. numa coisa está equivocado. Está em companhia indesejada. Na URSS de Estaline, o aborto estava proibido e os homossexuais eram perseguidos.