16.5.09

Batalhões de Cristo-Rei















Andam aqui por Lisboa uns milhares de pessoas e uma estátua, a caminho da outra banda, para os festejos do 50º aniversário do monumento a Cristo-Rei.
Liguei há pouco para a RTP1 e vi a Fátima Campos Ferreira coordenar uma espécie de Prós, sem Contras, com o professor Marcelo, M. João Avilez e dois bispos. Contavam umas histórias para entreterem os telespectadores enquanto se rezava o terço no Terreiro do Paço, FCF falava da estátua de Fátima como se se tratasse de uma pessoa em carne e osso que tivesse apanhado um comboio para vir a Lisboa, e perguntava a um dos bispos como se pode alimentar hoje, em tempos de crise, a solidariedade que existia em 1959. E a caridade também. Adiante!...
Não sei se, antes destas considerações piedosas, falaram minimamente dos atritos político-religiosos entre Salazar e Cerejeira, a propósito da cerimónia de inauguração que hoje se comemora. Recordo-as, muito resumidamente.
É bom não esquecer que Portugal vivera um ano antes o fenómeno Delgado, que tivera uma influência decisiva nas primeiras acções e reacções colectivas dos católicos contra a ditadura, o que muito tinha desagradado a Salazar e preocupado Cerejeira. Para ilustrar o tipo de picardias habituais na época, leia-se que, em 6 de Dezembro de 1958, Salazar afirmou que «alguns católicos se jactam de a ter rompido [a frente nacional] e com tal desenvoltura que lograram o aplauso não só de liberais (...) como de comunistas que diríamos estar no pólo oposto aos princípios e interesses da Igreja» e que Cerejeira viria a reagir, na mensagem de Natal, afirmando que «se é verdade que poder espiritual e poder temporal são soberanos nos seus domínios, é legítimo dizer que é a ordem espiritual que julga a temporal e não vice-versa».
À medida que se aproximava a data de inauguração do monumento, verificava-se uma grande pressão por parte de alguns sectores católicos para que fosse o Presidente da República a consagrar o monumento e o povo português a Cristo-Rei. Cerejeira sugeriu a Salazar uma fórmula possível: «Como Chefe da Nação cuja religião é católica, em nome dela, confirmo ou ratifico a Consagração feita pelos Bispos de Portugal (ou pelo Cardeal Patriarca)». Salazar não aceitou e propôs a alternativa que veio a ser proferida por Américo Tomás. No que interessa, este afirmou que o monumento era «exclusivamente devido à piedade dos católicos» e que Portugal desejava firmemente «manter-se fiel à tradição da sua história e aos propósitos agora enunciados».
Despiques e subtilezas que sempre dominaram as relações entre estas duas sinistras figuras, tão centrais e tão decisivas para grande parte da história do nosso século XX, e que estão longe de estar suficientemente caracterizadas e esclarecidas.

P.S. Se FCF e amigos referiram estes factos, as minhas desculpas – não terei chegado a tempo de ouvir.

2 comments:

septuagenário disse...

referiram tudo e mais alguma coisa, desde o Delgado à ponte, igreja/estado, etc.

O Marcelo RS, até mencionou que fez parte das comemorações pela escola, pois que, segundo ele, viveu o antigo regime por dentro.

Até mencionou que já se mudou o nome à ponte, mas à estátua ainda não.

José de Sousa disse...

“Cerejeira sugeriu a Salazar uma fórmula possível”...
Isto e o que se segue fez-me lembrar uma apreciação que o Salazar fez do Cerejeira, em certa ocasião, e que eu li já não sei onde (talvez nas Memórias de Costa Brochado, mas tenho imensas dúvidas).
Foi esta a apreciação ocasional: o Cerejeira tem tantas ideias de génio que se esquece de realizar as simplesmente sensatas.
Foi isso mais ou menos, mas certamente mais, no seu sentido, do que numa sua transcrição exacta.