Talvez comece agora a ser possível reflectir mais ou menos calmamente sobre o que se passou no Domingo – ou talvez não, já que o processo eleitoral em curso veio para ficar durante uns largos meses.
Não foi sem alguma surpresa que constatei o mau perder de muitos eleitores socialistas, tanto quanto ao que se passou em Portugal, como em relação aos resultados da Europa. Os mesmos que sempre reconheceram que as lideranças europeias são fraquíssimas, que criticaram o Tratado de Lisboa, que sempre reclamaram contra os ímpetos burocráticos de Bruxelas e deles se riram, que acusaram de fundamentalistas os rigores da lei anti-tabaco e que querem continuar a comer jaquinzinhos, admiraram-se agora quando um enorme cartão vermelho foi levantado contra tudo isso e mais algumas coisas.
Pretende-se dizer que o projecto europeu não é importante, que não devemos defender valores culturais e civilizacionais? De modo algum. Mas estamos a fazê-lo mal e os resultados destas eleições estão aí para demonstrar que esta Europa envelhecida e aristocrática tem sido mal governada, que ainda se julga o centro do mundo quando já não é, que vai ser repovoada por asiáticos, árabes e muitos outros (realidade para a qual não está de todo preparada, apesar de todos os discursos anti-xenófobos que apregoa), que está a gerir mal a crise e a não tirar partido do que se passa na América.
Foi por todos estes motivos, e por mais alguns específicos de cada país, que o chamado «centro» teve uma grande derrota no Domingo. Em Portugal, com a particularidade de algumas esquerdas se terem reforçado, o que parece ter desesperado a única que se considera ajuizada, razoável, realista. Que entrou em pânico e meteu no mesmo saco o avanço da direita na Europa e o sucesso do Bloco+PCP em Portugal, numa versão sempre actualizada de «quem não é por mim, é contra mim». Porque preferia, em vez destas esquerdas, outras - nem marxistas, nem leninistas, nem trotskistas, mais liofilizadas, talvez simplesmente ecológicas? É bem provável, mas disso não temos…
E não consigo deixar de considerar decepcionante que tantos, que até há bem pouco tempo tinham no horizonte um mundo de esperança bem diferente do reformismo conformado em que vivemos, defendam agora este triste status quo, em nome de seguranças e de uma governabilidade sem crença na possibilidade de diálogo, nem confiança nos que são diferentes – como se tivessem envelhecido de repente, como se o mundo estivesse para acabar o mais tardar no fim deste ano de 2009, como se o «medo de existir», de que fala José Gil, se tivesse espalhado, agora sim, repentina e generalizadamente.
P.S. - Ainda não é desta que falo da CML. Tempo haverá.
15 comments:
"O Avante! de hoje, 4 de Junho, não falta à chamada, nem em relação à Coreia, nem quanto a 1989 na China. À sua maneira, evidentemente – por omissão total, sem uma simples foto, um parágrafo, uma nota em pé de página. Num silêncio absolutamente sepulcral, assustador, como se o mundo fosse pouco mais do que um mar de bandeiras da CDU."
"A quarenta e oito horas do 20º aniversário de Tiananmen, a China bloqueou o acesso a estas três plataformas da internet.
Há algumas semanas, estiveram também inacessíveis Youtube, Blogger e Wordpress"
As palavras são tuas.
Grande reviravolta!
Estás totalmente enganada, Ana: nenhuma reviravolta. Não elogiei, nem elogio hoje, o PCP, mas para mim ele não é igual ao partido do sr. Le Pen. E prefiro que tenha sido o PC, e não o PNR, a ter 10% da votação em Portugal. Só isso, para já.
E não votei PC, como julgo que imaginas.
Como não te assumes como perdedora, só podes ter engrossado as fileiras da Drª Ferreira Leite!
Ainda te verei, mais o camarada Jerónimo, a tomar chá com scones na companhia do meu papá (que está tão feliz quanto tu)eheheheheh
beijos que vou trabalhar
Não sei se percebi a graça, mas, para o caso de ainda não saberes, há muito que sou eleitora do Bloco.
A propósito do que dizes no fim do 3º parágrafo, a crise e a américa, é giro também ver o PS apoiar a candidatura do Durão Barroso que tem como proposta para o segundo mandato o estreitamento das relações comerciais com os Estados Unidos...
Olá Joana...
Completamente de acordo. Como te lembrarás já tinha aflorado este tema num comentário a outro post teu. Este assunto, como tantos outros infelizmente, irrita-me porque demonstra para além de algum défice democrático uma verdadeira desonestidade intelectual. É a guerra ! Ou "nós" (eles) ou o caos. Nós sabemos bem o que vem a seguir... uma tremenda de uma dramatização sobre o futuro, e a necessidade de "os portugueses escolherem entre os partidos responsáveis,do arco do poder,e os que contestam por contestar e são completamente irresponsáveis." A isto eu chamo chantagem política sobre o eleitorado.Quanto à questão de se meter no mesmo saco PC e BE, continuo a estar de acordo contigo. Seria hoje dificil arranjar um argumento para justificar um voto meu no PC, mas entre a CDU e os ululantes partidos racistas e xenófobos que proliferam por essa Europa fora, não tenho dificuldade em escolher.
REPETIÇÃO 1
Sim, as eleições europeias são as mais importantes de todas. Mas como expressão do eleitorado activo, não como um eleitorado “conclusivo”. Uns pensarão, outros resolvem. É este eleitorado que nos traz os resultados que verdadeiramente contam. Como nos diz Rui Bebiano. Duma outra forma.
Eu gostaria que fossem apreciadas as motivações do sentido de voto do eleitorado votante. As dos que foram ao voto e não a uma praia qualquer.
Pesou aí, por pouco que fosse, a ideia da Europa, um propósito de votar nesse plano específico e terá esse propósito alguma ligação com a crise e as dificuldades que vivemos, como se estivéssemos esperando uma sopa do Sidónio; foi voto de protesto, com um simples Fora! Fora!, ou um envio para o castigo, para a casa escura, uma ameaça com o papão. Teria sido, finalmente, – não quero exagerar nas possibilidades – uma afirmação clara de posições políticas e ideológicas.
Teria sido um voto pela afirmativa, perante a realidade nacional, sem “inquinações” europeias e, sobretudo, sem excessivos empurrões para que venha a sair do poder quem aí se encontra.
Talvez, quanto a este último ponto. E talvez que a apreciação destas eleições se possa fazer, com mais acerto, se considerarmos as reacções das diversas forças políticas e das linhas de actuação que desde já se vão delineando. O que a Joana Lopes ainda faz. Nunca esquecendo que a política é, também, uma representação que se faz com vários artifícios e que vai decorrendo em diversos palcos.
Por isso, todos dizem que ganharam. Todos menos o PS que lá vai dizendo que estas, sim, foram perdidas, mas que, nas próximas, se verá. Chocadas, algumas figuras menores mostram o seu azedume. Como diz Rui Bebiano, o PC e o BE atingiram o seu maior score possível. E eu até entendo que ele exagera. Além do que penso que os resultados alcançados estão verdadeiramente ameaçados, sobretudo os do PC. Não estão para ficar, provavelmente. E entre os dois, não julgo que surja um híbrido. Há pois dois scores.
Não parece que possa haver uma bipolarização. Mas deixará de haver uma monopolização. Uma maior fragmentação, quase pela certa.
A reacção verificada, muito para além dos pobres resultados das eleições europeias, parece indiciar essa expectativa. E a actuação política sugere que se quer manter, ainda e a todo o custo, uma certa monopolização ou, o que parece muito difícil, tão assanhados estão, um entendimento qualquer que resulte na mesma.
Qualquer das fracções, desse centro e centro direita, só não aceitam, próximas, aquelas esquerdas, não por elas próprias, mas, sim, porque querem ficar sozinhas, sem incómodos, nem transtornos de maior.
Enfim, eu quero acabar. Parece-me que vamos para uma crise política. Há muito que o Parlamento e as formas actuais de democracia se mostram obsoletas. Mas não quero ir por aí, para esse além. A crise surgirá, se surgir, não por via duma bipolarização, mas, pelo contrário, pela incapacidade que as forças políticas têm em renovar, em inovar, em colar a realidades novas, as formas como exercem o poder político-económico. Custar-lhes-á muito fazê-lo. E diga-se, num generoso esforço de tolerância, que, na vertiginosa roda vida em que a crise os pôs, é difícil pensar que perdem um tanto as suas capacidades operativas e o seu peso no meio da economia . Ainda com generosidade, não apreciarão o obrigatório desvio do seu ideário.
Sem essa generosidade, admite-se que será penoso prever os trambolhões que vão sofrer na sua vida. Já outros avançam com farroncas de novos-ricos.
Propendo, pois, a ver, nos resultados eleitorais, um sinal de crise da nossa democracia. Eu tenho uma visão mais desencantada do que pode ser a democracia do que aquela que mostra o Rui Bebiano.
Peço desculpa à Joana por não considerar devidamente o que escreve. Concordo com ela em quase tudo, mas, apesar disso, não deixaria de ter uma longa conversa. (Graças a Deus que não a tenho, dirás tu, bem basta este relambório!). Por exemplo, no que diz sobre a nossa Europa aristocrática, na má política que seguimos em relação a ela, no seu último significado como avanço de valores próprios civilizacionais e culturais. Acharei que ela, e muitos mais, sofrem duma certa hipnose em relação a Obama e que os seus EU não são bem um exemplo para a Europa.
Também concordo com a traficância que se preparará para a CML. Tudo pelo um Poder, nada contra um possível Poder.
Um abraço, com humildes desculpas pelo tamanho do texto.
José de Sousa, apenas um comentário em relação ao que dizes sobre uma hipotética «hipnose» minha pelo efeito Obama, nas apreciações críticas que faço sobre a Europa: infelizmente faço-os já há alguns anos, antes mesmo de saber que Obama existia...
E não acho, nem disse, que os EU devam ser exemplo para a Europa. Falo de «tirar partido», o que é bem diferente.
Joana:
Escreves tu:
"(...) E não consigo deixar de considerar decepcionante que tantos, que até há bem pouco tempo tinham no horizonte um mundo de esperança bem diferente do reformismo conformado em que vivemos, defendam agora este triste status quo, em nome de seguranças e de uma governabilidade sem crença na possibilidade de diálogo, nem confiança nos que são diferentes (...)".
Pergunto-me eu:
Não foi reformismo conformado (se tanto) o que nos deu o 1º Ministro Mário Soares, com o seu socialismo na gaveta, o Governo com o CDS, o bloco central e o mon ami Miterrand?
Não foi no tempo do reformismo menos conformado do PS de Constâncio e Sampaio que gramámos 10 anos de Cavaquismo?
Não foi o reformismo Rerum Novarum de Guterres (conformadíssimo) que nos deixou òrfãos, tesos e falando da geração rasca?
Não foi o Barrosismo cobarde e pré-liberal que nos entregou a Santana Lopes?
Não foi o piparote de Sampaio a Santana que ofereceu de borla a primeira maioria absoluta à não direita?
Não foi essa maioria absoluta que touxe aos ingénuos "um mundo de esperança"?
Agora o Bloco está contente: herdou por uns meses uns votos doutras bandas, benzidos pelo Cardeal Louçã.
Mas quando - daqui a 3 meses - for a sério, onde estará o Bloco para qualquer solução viável e criativa?
Ainda e sempre praticando o autismo das mãos limpas e entregando o País à direita que estiver disponível entre rosas, azuis e laranjinhas.
Prefiro a merda Sócrática à dra. ou ao Paulinho. Acho que os que estão pior ficarão assim ligeiramente menos mal. E embora isso me não baste, deixa-me menos inquieto. Também eu descreio na capacidade de diálogo de quem manda e me espanto com os que os que disso militantemente se queixam para, não menos militantemente, mandarem ás malvas, também eles, a tal capacidade de diálogo e a confiança nos que são diferentes.
Nos idos de 1985, Soares serviu para impedir Freitas do Amaral. Porque não há-de servir Sócrates para impedir coisas bem piores? Como então, é o que há.
Mas eu nunca esperei muito...
Zé Carlos
Joana
Claro que há muito tempo que fazes as tuas críticas à Europa. E não me parece que tenhas ligado tais críticas a um qualquer início de Obama. Mas quem muito escreve, muito asneia e pode acontecer que tenha deixado essa impressão. Não releio o que escrevi para o verificar. Embora não te acompanhe há muito tempo no teu blogue, a verdade é que nunca me passaria pela ideia que não fossem antigas essas tuas críticas. E que apenas tivessem chegado, agora, agarradas às abas do casaco do Obama.
Tenho-te em tal conta – e passe a graxa – que pensar isso não seria possível. Tu pensas e geralmente sobre o que importa. Importante, pelo meu critério, claro.
Tens toda a razão. São totalmente diferentes um “tirar partido” e “ser exemplo”. Peço-te desculpa pela minha ligeireza. Neste ponto, estou de acordo contigo. E releva-me mais esta espécie de homologação professoral. Esta e outras...
Um abraço
Nota: Obrigado por teres aceite a extensão do que escrevi.
Obrigada, Zé Carlos, pelo teu comentário e pelas opiniões que nele exprimes – que respeito, mas que, como sabes, no essencial não partilho. Duas notas apenas.
1 – Dizes: «Não foi essa maioria absoluta que trouxe aos ingénuos "um mundo de esperança"?». A mim, não me trouxe, nem à partida, esse mundo de esperança».
2 – Se descrês da capacidade de diálogo «de quem manda» e também dos outros, então é que não vejo qual é a saída que esperas, neste momento, para o que vai seguir-se: no ponto em que estamos, é talvez melhor não partirmos desse princípio ou estaremos apenas a dizer que se está num beco sem saída. Porque, na posição tão realista em que te colocas, não me parece que possas ainda acreditar numa nova maioria absoluta.
Abraço
Joana
Será insistência demasiada, mas a tal me sentirei obrigado. Disse que não tinha relido o que havia escrito. Fi-lo agora e fiz mais ainda, reli o que tu escreveste.
E verifico que eu faço, de facto, como sendo tua, uma ligação entre o Obama e o que se pode fazer e pensar da Europa. Uma ligação confusa, mas uma ligação. No que escreves, não falas do Obama, mas sim da América. A minha referência ao efeito de hipnose, neste caso, é parva. Tu dizes “tirar partido do que se passa na América”.
Provavelmente, isso até se poderá fazer e temos agora, com as eleições, a desilusão de ver que não surgiu nada que mostrasse haver esse propósito.
Fiquei um pouco decepcionado com a parcimónia da resposta que me deixou sem saber quais as minhas opiniões que não partilhas: as históricas, as de agora ou ambas? È que, sem isso clarinho, não sei se o teu "como sabes, no essencial não partilho" faz sentido para mim.
Já agora:
1 - Não espero "nenhuma saída" "neste momento, para o que vai seguir-se"; limito-me a aguardar os resultados para vislumbrar saídas - há sempre saídas, gostemos delas ou não.
"Beco sem saída" significa normalmente que alguém foge com o bico ao prego para poder depois engolir sem complexos de culpa um governo de direita propriamente dito (o da saída do beco). Em nome dos puros ideais da esquerda, do estalinismo caseiro ou da social-democracia autoritária que andamos a deglutir enfastiados.
2 - Espantar-me-ia que pudessess achar que uma nova maioria absoluta do Personagem (em que nenhum de nós acredita) fosse uma saído do beco. Julgo que tal maoria absoluta seria, para ti, outro beco sem saída (para mim não, embora não gostasse nada de renovar tal cheque).
Um governo minoritário do dito será, hoje por hoje, o menos mau? Talvez. Desde que o PCP volte ao lugar que lhe cabe e o PSD se mantiver nos níveis que merecidamente nos vinha habituando. Dentro do meu conhecido realismo, talvez assim também o teu Bloco fosse, de quando em vez, humilde e realista. Todos ganharíamos com isso.
Abraço
Zé Carlos,
A «parcimónia da resposta» deve-se apenas ao facto de nunca ma dar jeito escrever comentários longos – sei que é defeito.
1-Totalmente de acordo nisto que dizes: «Não espero "nenhuma saída" "neste momento, para o que vai seguir-se"; limito-me a aguardar os resultados para vislumbrar saídas - há sempre saídas, gostemos delas ou não.»
2-Uma nova maioria absoluta do PS seria para mim, sim, uma forma renovada de beco sem saída ou com muito má saída. O que vislumbro como melhor seria um governo minoritário do PS com acordos programáticos, pontuais e não só, com PC e Bloco - com os actuais líderes ou com outros. Difícil? Certamente. Mas já é tempo de esta democracia amadurecer.
Abraço
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