6.11.09

Terra de horror

 











Ter estado em Varanasi, cidade santa indiana nas margens do Ganges, é um pesadelo que me acompanhará para o resto da vida e encontrei há uns dias um texto que descreve bem o que lá se passa em termos de rituais religiosos. Merece ser lido, pelo detalhe das descrições que até explicam que as castas mais elevadas têm crematórios especiais.

É no entanto demasiado frio e objectivo. E faltam lá os turistas, como eu, que ao nascer do dia se acumulam em dezenas de barcaças para ver o espectáculo – dos velhos ex-leprosos estropiados nas escadarias a pedirem esmola, dos banhos purificadores em águas assustadoramente poluídas e de possíveis corpos de crianças a boiarem (as crianças não sei queimadas mas sim atiradas ao rio, por vezes sem a pedra ao pescoço, que é suposto afundá-las, devidamente colocada) – eu vi uma, que deveria ter tido seis meses. Tenebroso.

Tudo isto numa cidade enorme e miserável, onde se vem para morrer, em nome de uma religião que muitos teimam em considerar digna de respeito por diferenças culturais e outras, e que se traduz em espectáculos que em mim provocaram apenas uma terrível revolta. Aliás, tenho dito muitas vezes, meio a sério meio a brincar, que não se desse o caso de ser já ateia e teria certamente passado a sê-lo, a partir daquela madrugada de Outubro de 2005.

P.S. - Entretanto, deste lado do mundo, pretende-se continuar a impor religiosidade com cruzes pregadas em paredes de escolas. Certamente menos chocante, mas é extraordinário que ainda seja necessário perder tempo em tribunais para ganhar guerras como esta.

4 comments:

ads disse...

É tão simplesmente uma forma diferente de ver o mundo e de agir consoante formas cristalizadas que advêm dessa visão.

Quanto muito podemos dizer que é ambiental e higienicamente desastroso - que indiscutivelmente é.

Mas daí a achar que todo um conjunto de crenças e de rituais - e já agora toda uma cultura - são disparatados só porque impressiona a olhares estranhos é ir longe demais. E também eu sou atéia. Mas repudio essa forma de etnocentrismo.

Joana Lopes disse...

Obrigada pelo seu comentário que exprime, aliás, o ponto de vista da maior parte das pessoas.
Eu não acho que o que descrevi seja «disparatado», mas sim que faz mal à humanidade, que não contribui para o seu progresso. Porque permite e até força seres humanos a viverem em condições infra-humnas de miséria, sofrimento e até morte.
Em nome no não etnocentrismo, deve ir-se até onde? Respeitar a excisão, por exemplo?

Anónimo disse...

(Ora deixa-me cá fazer a boa acção do dia, tentando aplacar este ataque de raiva anticlerical que adivinho ter possuído a Joana)

Joana
Teve há dias lugar em Luanda um pequeno fórum, organizado pela igreja católica, em que foram discutidos problemas de natureza social, tais como o atropelo dos direitos humanos – que vão acontecendo por Angola – os direitos das mulheres, etc. , difundido pela Rádio Ecllésia (a rádio da igreja católica), que acompanhei parcialmente, e onde foram proferidas declarações, capazes de fazer corar de vergonha os partidos da oposição, pagos pelo poder instituído para não fazerem muitas ondas.

Aqui, a igreja católica e algumas igrejas protestantes, de que se destaca por exemplo a metodista, ainda constituem um factor de progresso e assumem por vezes, face ao poder, atitudes muito mais audazes que a oposição institucional.

(Por esta minha declaração é que a Joana não esperava! – mais uma tábua para a minha cadeira lá no céu ...)

nelson anjos

Joana Lopes disse...

Não espanta nada, Nelson. Ninguém nunca me ouvirá dizer que não vem bem ao mundo pela acção doa agentes de várias (todas?) as religiões - muito menos em África e, pelos vistos, ainda hoje.
Isso não vai contra nada do que pretendi dizer acerca da minha experiência em Varanasi...