11.12.09

And the winner is...













Soube-se por volta do meio-dia que o Prémio Pessoa 2009 tinha sido atribuído a Manuel José Macário do Nascimento Clemente, bispo do Porto.

Oficialmente, «O Prémio Pessoa é um prémio concedido anualmente à pessoa de nacionalidade portuguesa que durante esse período - e na sequência de uma actividade anterior - tiver sido protagonista de uma intervenção particularmente relevante e inovadora na vida artística, literária ou científica do país.»

Ao anunciar a atribuição do prémio - uma iniciativa do Expresso que tem o apoio da CGD -, Francisco Balsemão leu o comunicado oficial do júri: «A sua intervenção cívica tem-se destacado por uma postura humanística de defesa do diálogo e da tolerância, de combate à exclusão e da intervenção social da Igreja. Ao mesmo tempo que leva a cabo a sua missão pastoral, D. Manuel Clemente desenvolve uma intensa actividade cultural de estudo e debate público. Em tempos difíceis como os que vivemos actualmente, D. Manuel Clemente é uma referência ética para a sociedade portuguesa no seu todo».

Polémica à vista? É talvez cedo para o saber. Mas não fui a única a reagir logo com perplexidade à aparente divergência entre os objectivos do Prémio e os argumentos expostos por Balsemão. A discussão surgiu imediatamente no Twitter e um post da M. João Pires no Jugular sobre este assunto tem já, no momento em que escrevo este, 89 comentários.

Claro que o júri é livre de escolher quem muito bem entender e de infringir ou não os princípios por si definidos. Mas nós podemos também interpretá-lo e interrogarmo-nos sobre o significado da decisão.

Teria Manuel Clemente sido escolhido se não fosse bispo? Claro que não. Houve uma vontade deliberada de distinguir um dos principais representantes da hierarquia da igreja católica portuguesa. Porquê? Isso não é explicado no comunicado…

Sabe-se que é sempre muito grande a projecção mediática de quem recebe este prémio, pelo menos durante o ano do seu «reinado». Ora, certamente por mero acaso, este abrange a vinda do papa a Portugal. Também por coincidências aleatórias da história, a nomeação acontece alguns dias antes da discussão na AR do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a propósito do qual o bispo do Porto pensa que «é essencial assegurar um debate alargado» porque se trata de questões que «não podem ser resolvidas rapidamente», já que está em causa «a própria base da sociedade, que sempre existiu, a partir da família, da abertura à vida e à educação» - foi pelo menos o que disse, há cerca de duas semanas, nas Jornadas Parlamentares do PSD.

Mas isto sou eu a imaginar coisas, com a mania de complicar o que para outros é provavelmente muito simples…


P.S. – Claro que o presidente da República já veio dizer que tem «uma elevadíssima consideração» por ele, «um homem extraordinário, que tem ainda muito a dar a Portugal» e que a atribuição do prémio foi «de toda a justiça». Até a Caras já noticiou e a Associação Comercial do Porto define o bispo como «o protagonista de um novo Norte». Para o presidente da Conferência Episcopal, trata-se de um «testemunho inequívoco como é possível aliar a fé à razão», «no seguimento do trabalho que Bento XVI tem vindo a realizar» (?...). Ámen, então.

14 comments:

Miguel Marujo disse...

Peço desculpa, Joana, acho que há algum maquiavelismo em ligar o Prémio Pessoa à visita do Papa e ao debate do casamento gay, que ainda nem data marcada tem. Deixei um longo comentário ao segundo post da Maria João sobre isso, onde defendo o porquê de um prémio como este. Mais: também se poderia devolver este tipo de perplexidades por Manuel Clemente ser apenas bispo ou homem de Igreja, mas parece-me que aos católicos, mesmo investidos como bispos, não está coarctado o direito a um reconhecimento externo, como foi o deste júri que incluiu Mário Soares, que também o elogiou rasgadamente, ou Maria de Sousa, uma importante investigadora da universidade portuense, ou Fraústo da Silva, ou...

Joana Lopes disse...

Miguel,
Aceito a acusação de maquiavelismo, embora não estivesse nas minhas intenções. Obviamente que não penso que a atribuição do PP tivesse sido DECIDIDA em conexão com a visita do papa, mas estou certa de que será explorada nesse sentido por muitos sectores – e isso «desagrada-me». Idem quanto ao debate sobre casamento gay na AR, que, segundo li ontem, poderá ter lugar dentro de poucos dias. (E nem referi a mais do que provável recandidatura de Cavaco que se apressou a colar-se ao regozijo pelo prémio…)
Não nego a possibilidade de um bispo ser galardoado, mas repito a pergunta que fiz no
post: teria isso acontecido se ele não fosse bispo?

rafael disse...

Joano a, pelo que li no Publico, a discussao do casamento gay será realizado antes da discussao do Orçamento de Estado. e também nao acredito em coincidencias...

"Por outro lado, ao pré-agendar o debate no Parlamento para meados de Janeiro - como confirmou ao PÚBLICO o líder parlamentar do PS, Francisco Assis -, os socialistas conseguirão fazer os holofotes centrarem-se nesta matéria socialmente polémica, desfocando-os do Orçamento de Estado, que entrará pouco depois. Mesmo que nenhum outro diploma seja discutido na especialidade durante a discussão do Orçamento, o debate público acabará por ser simultâneo e, pelo mediatismo do casamento gay, este acabará por ocupar muito mais espaço mediático."

http://www.publico.clix.pt/Política/ps-quer-discutir-casamento-gay-antes-do-orcamento_1413384

Joana Lopes disse...

Tinha lido essa notícia, Rafael, por isso disse ao M. Marujo que o debate deve ter lugar muito em breve.

Miguel Marujo disse...

Insisto: como podem achar que o júri de um Prémio como o Pessoa, que integra pessoas como as que referi, entre outras, e sublinho Mário Soares, pode ter uma qualquer agenda escondida?! Se alguns sectores da sociedade podem aproveitar-se do prémio para o debate? Sim, podem, como neste caso vocês estão a aproveitar-se para fazer campanha em direcção oposta e pôr em causa um homem que é galardoado não pelo que disse sobre o casamento gay, mas por muito mais. E mais ainda: acaso só rejubilamos com prémios quando eles encaixam na nossa "matriz"? Eu não: procuro ver se, mesmo na discordância de orientações, descubro algo de bom e positivo na obra reconhecida por esse prémio. E não faltam exemplos neste Prémio Pessoa ou noutros.

rafael disse...

falando apenas por mim, nao gosto muito de me fiar em premios.

Se acha estranho que tenham o que chama uma agenda oculta, eu acho normal. O juri será composto por uma série de pessoas que têm as suas opinioes, os seus conceitos politicos, ideologicos e culturais e a partir destes constroem uma base de consenso para encaixar um candidato ao premio. Se aconteceu só por ser bispo, creio que nao, mas aconteceu também por ser bispo e olhe que eu sou catolico...

e Mário Soares nao constitui para mim nenhum tipo de referência...

Nao só com este "vencedor" sou critico, convido-o a ler na barriga de um arquitecto a critica que o Daniel faz a um outro Prémio Pessoa, pelo seu ensimesmamento quando conrontado com um desafio que poderia ser extremamente interessante pelo jornal expresso.

Miguel Marujo disse...

Um júri que "será composto por uma série de pessoas que têm as suas opinioes, os seus conceitos politicos, ideologicos e culturais e a partir destes constroem uma base de consenso para encaixar um candidato ao premio": para si isto é ter uma agenda oculta? Mário Soares é apenas um nome que sublinho para referir o óbvio: da falta de cuidado em fazer a associação deste prémio ao debate sobre os casamentos gays ou à candidatura de Cavaco. Devo depreender que Soares estará a congeminar um novo regresso a Belém, com o apoio que manifestou a D. Manuel Clemente?!

septuagenário disse...

Deve ser muito chato receber um prémio sem ter feito nada para o ganhar.

É este o caso, assim como o de Obama...

Como não teem culpa, não desmerecem o prémio.

O Juri que o atribui, esses sim, devem ser questionados...Mas como? se estão acima de qualquer suspeita! Quais "faces ocultas".

José de Sousa disse...

1.
Joana, eu diria que não. Se não fosse bispo ou figura grada da Igreja, não seria galardoado.
Não sei se os méritos de D. Manuel Clemente são os suficientes para que o considerem para um Pessoa e muito menos sei se tais méritos são os necessários para o merecer. Estamos nas vésperas do centenário da República e do ano de 2010 e eu olho para esse ano com uma atenção particular. Talvez exagerada. E é precisamente porque o Júri é constituído por pessoas idóneas que eu admito terem considerado mais a circunstância do prémio do que a substância da obra do premiado. Tentarei dizer porquê.
A vinda do Papa e o alarido que fará, com o pobre do Cavaco a enfiar-se na fotografia, como um penetra em festa alheia, e o casamento dos gays parecem-me coisas menores em relação ao que vamos viver e enfrentar durante o ano que vem. E, com mais ou menos maquiavelismo, não justificariam o prémio. Na sua circunstância. Mas a verdade é que ninguém anda a dormir e todos têm sempre coisas a fazer, resultados a obter, consequências a esperar.
Esse centenário e o ano em que se verifica vão dar-nos muito a ver. É um ano em que sentiremos mais, e julgo que dramaticamente, a crise económica. Em que podemos viver um impasse político, com eleições legislativas a antecipar. Ou na sua primeira janela de oportunidade ou já como que aprazadas para depois das eleições presidenciais. É um ano em que os partidos e as personalidades, de vária natureza, deverão continuar com as suas manobras, as suas intrigas e as suas medições de força, tendo em vista exercer todo o poder que estiver ao seu alcance e reduzir ou condicionar a capacidade política de todos os outros. Evitando o ónus de se identificarem com a abertura da crise, claro está. Neste quadro, não faltará Cavaco Silva e, bem pelo contrário, aí exorbitará. Discretamente. Nesse ano, aproximar-se-á vertiginosamente o momento da eleição presidencial. Teremos de assistir ao parto político dos candidatos.

José de Sousa disse...

2
Nesse ano, muito provavelmente, vamos falar da adopção, do testamento vital e de questões do mesmo género que afectam profundamente as concepções e os valores da Igreja. E há o centenário da República. É pois “necessário” fazer alguns gestos de simpatia e de paz para os lados da Igreja.
Talvez que os cotados elementos do nosso Júri tenham pensado em questões próximas, mas certamente que não as discutiram à volta da mesa. E repito, há a situação política e social e ainda o centenário da República.
Nesse ano, muitas das nossas forças políticas e institucionais irão à liça e a balbúrdia pode ser grande. Cada uma delas, com variados objectivos e com linhas de intervenção, que forçosamente terão de traçar e de tentar seguir. Os católicos poderão associar o centenário a uma vitimização da Igreja insinuando o que lhe fez o jacobino Afonso Costa. Ajudá-la-á para outras causas. Que se seguem ou que continuam. É bom que a República de hoje se lhes mostre bem simpática. E que não prefira andar a falar da Igreja passada e do “seu” salazarismo. Os monárquicos apresentarão a “merda” da República a que chegámos. Que nos aparecerá nesse ano, incapaz, sem figuras ou valores à altura, com um Cavaco de triste figura e um Alegre rebolando a Palavra Republicana. A Maçonaria esforçar-se-á, talvez sem discrição, por nos ofuscar com a importância que teve em tal evento. A Opus dei não estará distraída e tem um bom campo de acção, assim como excelentes executantes. Os soldados que andaram pelas guerras coloniais virão participar na festa, eles também “defensores” da República. Elementos do 25 de Abril, como assumidos fundadores desta nossa República, virão protestar, afirmando o seu orgulho de terem projectado algo que nada tem a ver com o que hoje encontram.
Não faltarão, no centenário, os PCs –o antifascismo será um republicanismo. Com o pessoal político de todos os quadrantes e em particular com os seres que nos governam. Lastimarei se o BE mostrar, por essa ocasião, uma certa vacuidade. E se assim for, receio bem que, além do pessoal do Bloco e como a intervenção das esquerdas, não apareça, e somente eles não apareçam, quem queira questionar, discutir, aprofundar um conhecimento, uma intervenção, para que saiamos desta nossa esgotada República para uma outra forma de Estado que se articule devidamente, enquanto sua expressão política, com a sociedade e com um melhor futuro que ainda seja possível. Bem como com a integração numa globalização que a todos aproveite quanto possa e que ninguém espolie e sacrifique. Uma esperança no futuro, uma Liberdade diferente no presente.
No ano de 2010, a República e tudo quanto ela comporta na hora presente vai apresentar-se mal e fraca perante os ataques a que a submeterão. Talvez que, por isso, haja por aí um desejado apaziguamento da instituição mais poderosa em Portugal. A Igreja Católica.

Miguel Marujo disse...

Ó José de Sousa, adormeceu em 2009 e acordou em 1909? Por amor de Deus, sim, conhece a Igreja Católica (e não me atire com meia dúzia de nomes, fale-me da comunidade toda de crentes e fiéis) dos dias de hoje? Mas mais importante ainda: faz-me lembrar Duarte Pio de Bragança ou Sousa Lara: não leram José Saramago, mas querem-no queimar, só porque sim. O José de Sousa não leu bem conhece a obra de Manuel Clemente mas diatriba com a escolha do júri (conhece bem a composição do júri?) para ler nas entrelinhas a sua vigilância ao ano de 1910... peço desculpa: 2010. Haja paciência.

Joana Lopes disse...

Não voltei a intervir por não considerar necessário. Mas gostava de dizer ao Miguel que ele pode concordar ou não com as contextualizações que o José de Sousa faz, mas que isso não retira a este nem o direito nem o mérito de as fazer. 2009 tem tudo a ver, sim, com 1909 (e com 1139, já agora…) ou ficamos na «espuma dos dias».

José de Sousa disse...

Ora, lá encolerizei eu o Miguel Marujo. Lastimo ter-lhe feito lembrar tão horríveis criaturas, como o Duarte Pio e o Sousa Lara. E ainda aqueles nojentos bichos do bota abaixo sistemático, sem nada saberem, sem nada apurarem, sem nada pensarem. “Porque sim” e apenas por isso. E lastimo até porque não me autoriza a, eficazmente, lhe dizer que não diatribei contra o júri pela sua escolha, abstendo-me de me pronunciar sobre a obra de D. Manuel Clemente, até por ignorância, limitando-me às circunstâncias existentes ou previsíveis –estas talvez muito erradamente– e que, pelo contrário, elogiei o júri por ter tido um alto sentido de responsabilidade cívica, responsabilidade que me pareceu ter estado ali também. O que não é surpresa para mim, porque, naqueles elementos que conheço, na sua enorme maioria, vejo cidadãos com que contar e com direito ao mais justo dos reconhecimentos.
Também não seria surpresa –antes pelo contrário– se a obra de D. Manuel Clemente, com a impossível abstracção das circunstâncias e simplesmente pelo seu valor próprio e intrínseco, e não sei bem o que isso é, merecesse o Pessoa. A par de um ou outro, naturalmente. A minha conversa era outra.
Tinha passado uma vista de olhos pelos comentários ao post da Joana Lopes. Voltei agora a espreitá-los e verifiquei que há alguns comentários seus. Digo-lhe, com esta minha autoridade tão diminuída, que mal lhes prestei atenção e que, quando redigi o meu próprio comentário, não estava a pensar em si, nem no que escreveu.
Enfim, Miguel Marujo, parece-me bem que leu o que escrevi como se estivesse a ouvir um daqueles concertos para violino de Chopin... que nos deu um momento, não de indignação, mas de alegria. Perca a má disposição e aceite um cumprimento amigável.

José de Sousa disse...

Joana
Eu tentei falar do quadro de 2010 em que, ao fim e ao cabo, já nos encontramos. Mas não tenho qualquer certeza. Sei que tudo pode ser diferente. Foi mais um pobre exercício do que outra coisa. Sei que lhe podia acrescentar alguns anos ou algum do tempo que se lhe seguem. Mas naturalmente que não quis entrar em mais confusões. E nem isso estava no âmbito do que comentava.
Quis só olhar de forma um pouco mais larga. E até desconfio que a tendência não penda para o centenário. Vamos ter água pela barba, com muitas outras coisas, e não sobrará nem tempo, nem interesse, nem motivações conflituais, para darmos qualquer atenção particular à implantação da República e à maneira de a continuarmos.
Se não esqueço o lado um tanto imaginativo do que escrevi e as dúvidas que merece, há ,contudo, uma coisa de que tenho a certeza. Quem não pensa o futuro, não sabe o que fazer no presente. Nem sabe pensá-lo. Aja bem ou não. Pense mal ou não. O Futuro o dirá, se acaso o puder fazer (com a nossa boa vontade e ajuda, claro). E admito até que este pensar (um tanto criativo) do que virá é tão necessário, ou mais, como o conhecimento do que já foi. Conhecimento obrigatoriamente filtrado e afeiçoado pelos tempos que a seguir vão correndo.
Abraço