Boa tarde, Joana Ainda bem que o referendo teve o resultado que teve. Mas não deve constituir motivo de grande júbilo, porque nem a pergunta, nem o debate, abordaram pela raiz o tema que de facto merecia ser referendado. O que está de facto em questão no tema do aborto, mas também em muitos outros temas "fracturantes", entre os quais, mas não só, o casamento de pessoas do mesmo sexo, é se...
"... as pessoas devem ter a liberdade de fazer tudo o que lhes dê na gana, desde que não prejudique terceiros?"
Esta é a pergunta que devia ser feita aos portugueses. No debate, os defensores do sim trataram as mulheres que fazem abortos como idiotas, mal informadas, descuidadas com as datas ou com o uso de contraceptivos, com dificuldades económicas, a necessitar de consultas para perceber bem em o que querem, mas a quem se pode conceder uma segunda oportunidade permitindo-lhes abortar em vez de as obrigar a prosseguir com a gravidez. Pareceram mais argumentos para tentar convencer os defensores do não que não era a chegada do diabo, do que uma proclamação de que não têm o direito de interferir na vida dos outros. Não ouvi nenhum testemunho de ninguém a dizer que queria ter a possibiliadde de abortar legalmente porque lhe apetece abortar e ninguém tem nada a ver com isso. Por isso, a vitória do sim não foi um salto para a outra margem, foi um passo tímido e algo dissimulado, que não é impossível de reverter, com maiorias diferentes, com repetições de referendos. Digo eu, e espero estar enganado...
Ui, Manel, não esperava mesmo nada regressar a este tema três anos mais tarde! Participei activamente na campanha a favor do SIM e não me revejo de todo no modo como a caracterizas.
Quanto à pergunta genérica que aconselhas: "... as pessoas devem ter a liberdade de fazer tudo o que lhes dê na gana, desde que não prejudique terceiros?": eu até tenho uma certa simpatia pelos anarcas, mas não te sabia nessa onda...
Não é anarquia, é o respeito pela liberdade individual. No plano da economia, é o fundamento do liberalismo, ou da economia de mercado. No plano dos direitos civis, não sei o nome que se lhe dá, se calhar também poderá ser liberalismo? É a convicção de que o mundo, deixado à livre actividade dos indivíduos, tendo apenas como limite não causar prejuízos a terceiros, funciona melhor, ainda que possa parecer mais "imoral" ou "irracional", do que o mundo gerido segundo as opções de "sábios", por mais bem intencionados que ele sejam. E que o estado deve servir essencialmente para arbitrar os conflitos entre interesses antagónicos e nunca para condicionar as opções livres dos indivíduos.
Quanto ao debate sobre o aborto, o que posso dizer é que visto de fora me pareceu assim, um apelo à comiseração pelas coitadinhas que se vêem forçadas a recorrer ao aborto, e não uma afirmação da sua liberdade de escolha. Conheces algum testemunho público de alguém que tenha dito que abortou porque lhe apeteceu e ninguém tem nada a ver com isso? Pode ter sido por falta de atenção, mas não me lembro de ter visto nenhum. E a verdade é que, no fundo, era esta liberdade de escolha que estava em jogo.
PS: E receio que ainda te vejas forçada a regressar a este tema mais tarde. A repetição do referendo proporcionou uma vitória circunstancial ao "Sim", mas abriu um precedente de repetir um referendo... Não me surpreendo se, quando o ciclo eleitoral levar a direita ao poder, haja iniciativas para o repetir de novo.
A insensibilidade de quem chama um acto de liberdade interromper a vida dos seus próprios filhos?
Ou a satisfação de vingar ressabiamentos pessoais em relação a determinada religião por lhe atribuir o exclusivo da defesa intransigente do direito a viver desde a concepção?
O que se comemorou não é a morte de pessoas, nem a insensibilidade de quem mata filhos, nem nenhuma posição perante qualquer religião, mas o facto de as mulheres que fazem abortos deixarem de estar sujeitas a penas de prisão. O referendo não se destinou a aplaudir ou censurar o aborto, mas para o descriminalizar.
Como declaração de interesses, sou absolutamente agnóstico desde a primeira vez que pensei no assunto por mim próprio, e nunca fiz um aborto (nunca ninguém fez por ter engravidado de mim).
Desculpem a intromissão. Por momentos pensei que o NG e o Nuno Gaspar vinham ao debate, e mordi o isco. Afinal parece-me que vem para ter uma querela privada com a Joana e eu afasto-me...
Como podes verificar no "link", e como eu tinha dito antes, a vitória pode ser efémera. Este resultado (7-5) é bem menos expressivo do que o do Sporting sobre o Everton, e o Sporting está muito longe dos seus melhores momentos. E significa que 5 em 12 juízes do TC consideram a Lei nº 16/2007inconstitucional. Se calhar ainda vais mesmo ter de regressar a este tema.
12 comments:
Boa tarde, Joana
Ainda bem que o referendo teve o resultado que teve.
Mas não deve constituir motivo de grande júbilo, porque nem a pergunta, nem o debate, abordaram pela raiz o tema que de facto merecia ser referendado.
O que está de facto em questão no tema do aborto, mas também em muitos outros temas "fracturantes", entre os quais, mas não só, o casamento de pessoas do mesmo sexo, é se...
"... as pessoas devem ter a liberdade de fazer tudo o que lhes dê na gana, desde que não prejudique terceiros?"
Esta é a pergunta que devia ser feita aos portugueses.
No debate, os defensores do sim trataram as mulheres que fazem abortos como idiotas, mal informadas, descuidadas com as datas ou com o uso de contraceptivos, com dificuldades económicas, a necessitar de consultas para perceber bem em o que querem, mas a quem se pode conceder uma segunda oportunidade permitindo-lhes abortar em vez de as obrigar a prosseguir com a gravidez.
Pareceram mais argumentos para tentar convencer os defensores do não que não era a chegada do diabo, do que uma proclamação de que não têm o direito de interferir na vida dos outros.
Não ouvi nenhum testemunho de ninguém a dizer que queria ter a possibiliadde de abortar legalmente porque lhe apetece abortar e ninguém tem nada a ver com isso.
Por isso, a vitória do sim não foi um salto para a outra margem, foi um passo tímido e algo dissimulado, que não é impossível de reverter, com maiorias diferentes, com repetições de referendos.
Digo eu, e espero estar enganado...
Ui, Manel, não esperava mesmo nada regressar a este tema três anos mais tarde!
Participei activamente na campanha a favor do SIM e não me revejo de todo no modo como a caracterizas.
Quanto à pergunta genérica que aconselhas: "... as pessoas devem ter a liberdade de fazer tudo o que lhes dê na gana, desde que não prejudique terceiros?": eu até tenho uma certa simpatia pelos anarcas, mas não te sabia nessa onda...
Não é anarquia, é o respeito pela liberdade individual.
No plano da economia, é o fundamento do liberalismo, ou da economia de mercado.
No plano dos direitos civis, não sei o nome que se lhe dá, se calhar também poderá ser liberalismo?
É a convicção de que o mundo, deixado à livre actividade dos indivíduos, tendo apenas como limite não causar prejuízos a terceiros, funciona melhor, ainda que possa parecer mais "imoral" ou "irracional", do que o mundo gerido segundo as opções de "sábios", por mais bem intencionados que ele sejam.
E que o estado deve servir essencialmente para arbitrar os conflitos entre interesses antagónicos e nunca para condicionar as opções livres dos indivíduos.
Quanto ao debate sobre o aborto, o que posso dizer é que visto de fora me pareceu assim, um apelo à comiseração pelas coitadinhas que se vêem forçadas a recorrer ao aborto, e não uma afirmação da sua liberdade de escolha.
Conheces algum testemunho público de alguém que tenha dito que abortou porque lhe apeteceu e ninguém tem nada a ver com isso?
Pode ter sido por falta de atenção, mas não me lembro de ter visto nenhum.
E a verdade é que, no fundo, era esta liberdade de escolha que estava em jogo.
PS: E receio que ainda te vejas forçada a regressar a este tema mais tarde.
A repetição do referendo proporcionou uma vitória circunstancial ao "Sim", mas abriu um precedente de repetir um referendo...
Não me surpreendo se, quando o ciclo eleitoral levar a direita ao poder, haja iniciativas para o repetir de novo.
Só cheguei agora ao pé de um computador.
Joana Lopes,
Comemorar o quê?
A morte silenciosa de 20000 pessoas por ano?
A insensibilidade de quem chama um acto de liberdade interromper a vida dos seus próprios filhos?
Ou a satisfação de vingar ressabiamentos pessoais em relação a determinada religião por lhe atribuir o exclusivo da defesa intransigente do direito a viver desde a concepção?
NG,
Para esse peditório já dei e considero-o felizmente fechado.
NG,
O que se comemorou não é a morte de pessoas, nem a insensibilidade de quem mata filhos, nem nenhuma posição perante qualquer religião, mas o facto de as mulheres que fazem abortos deixarem de estar sujeitas a penas de prisão.
O referendo não se destinou a aplaudir ou censurar o aborto, mas para o descriminalizar.
Como declaração de interesses, sou absolutamente agnóstico desde a primeira vez que pensei no assunto por mim próprio, e nunca fiz um aborto (nunca ninguém fez por ter engravidado de mim).
Joana,
Se já deu para esse peditório porque é que voltou com a caixinha de esmolas?
Nuno,
Fechei o peditório de argumentar contra o conteúdo do comentário do NG.
Passa por aqui há tempo suficiente para saber que comemorarei sempre a vitória do SIM no referendo da IVG. Não estou a pedir esmolas a ninguém.
Desculpem a intromissão.
Por momentos pensei que o NG e o Nuno Gaspar vinham ao debate, e mordi o isco.
Afinal parece-me que vem para ter uma querela privada com a Joana e eu afasto-me...
Boa tarde, Joana,
Como podes verificar no "link", e como eu tinha dito antes, a vitória pode ser efémera.
Este resultado (7-5) é bem menos expressivo do que o do Sporting sobre o Everton, e o Sporting está muito longe dos seus melhores momentos.
E significa que 5 em 12 juízes do TC consideram a Lei nº 16/2007inconstitucional.
Se calhar ainda vais mesmo ter de regressar a este tema.
http://www.publico.pt/Sociedade/inconstitucionalidade-da-lei-do-aborto-rejeitada-pelo-tc_1424571
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