Guillermo Fariñas, o cubano, que está em greve de fome há duas semanas para exigir a libertação de 23 presos políticos que estão doentes, regressou às primeiras páginas de inúmeros jornais, depois da publicação, ontem, de um artigo no Granma, «Órgão Oficial do Comité Central do Partido Comunista de Cuba». Também, paralelamente, porque recusou a oferta de vir para Espanha, depois de esta obter a garantia de autorização do governo cubano para que saísse do país.
O que o artigo diz, em resumo, é que Fariñas é um mercenário dos Estados Unidos, agente de uma campanha orquestrada e que não serão aceites «pressões nem chantagens». São depois desenvolvidos, detalhadamente, argumentos para provar que se trata de um delinquente comum.
Mas o melhor é ir às fontes e esta aqui fica.
Transcrevo apenas e seguinte:
«Si hoy está vivo, hay que decirlo, es gracias a la atención médica calificada que ha recibido sin importar su condición de mercenario.»
O realce é meu. Comentários, para quê.
4 comments:
Cara Joana,
tenho vindo a assistir com alguma perplexidade ao desenrolar de toda esta situaçao que se iniciou com a morte de Orlando Zapata. Nao gosto da terminologia revolucionária que apelida todos de contra-revolucionarios, mas no caso concreto de Fariñas, pelo que leio, uma anterior greve de fome que este fez prendia-se com o facto de pretender internet "para todos". Essa reivindicaçao do mesmo estranha-me porque, pelo que tenho pesquisado ultimamente, o acesso à internet em Cuba é daquelas situaçoes que é claramente atribuivel ao bloqueio, visto que as autoridades cubanas já dotaram o país de equipamento e formaçao necessária, faltando o essencial, a ligaçao por cabo.
Esta ligaçao seria fácil através de um cabo de 15 km para os EUA, mas devido ao bloqueio, o governo cubano teve que acordar com a Venezuela a sua ligaçao via cabo (500 km). Este é apenas um exemplo.
Tenho encontrado outros da discrepancia que muitas vezes existem entre o que sao as versoes dos chamados dissidentes e do governo cubano, sendo a argumentaçao dos primeiros claramente amplificada e a dos segundos estranhamente anulada.
Por isso, quando falo de Cuba, tento usar uma tripla cautela: nao alinho nem em discursos de glorificaçao acritica nem em condenaçoes imediatas. e tenho sempre presente que existe uma forte campanha mediática e de propaganda pura e dura contra Cuba ...
se um dia conseguir acabar a reflexao que estou a fazer, talvez ainda escreva um post sobre isso...
cumprimentos
Eu entendo-o muito bem, rafael, e não embandeiro em arco com a «sacralização» de tudo o que fazem estes dissidentes. Caso, contrário, talvez não tivesse linkado o Granma...
Mas há uma coisa que nos distingue, penso. Eu desejo e espero que a ditadura cubana tenha um fim tão em breve quanto possível. E não alinho na inevitabilidade de Cuba se tornar um bordel dos EU. É o seu caso?
sabe bem que nao...
e nao é por Cuba se poder transformar num bordel dos EUA, mas sim porque creio, sinceramente, que lá existe uma democracia muito diferente da nossa. Que precisará de aprofundamentos, de melhorias, de desvios, mas no essencial, na participaçao popular, no envolvimento dos cidadaos com os processos de decisao, uma democracia.
sem partidos, mas uma democracia.
deixo-lhe uma reflexao interesante que Boaventura Sousa Santos fez sobre Cuba, nao concordo com muito do que escreve mas parece-me uma perspectiva diferente e intelectualmente honesta (como considero a sua, assim como a minha)
http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/Por%20que%20%C3%A9%20que%20Cuba_Oficina%20322.pdf
Bem postado, Joana.
Convém divulgar a versão que o próprio órgão de poder da ditadura fornece, porque ajuda a esclarecer muita coisa.
Com efeito, a ambiguidade da terminologia usada para desqualificar os dissidentes é reveladora. A sua indignidade viria ora do facto de serem delinquentes de direito comum e não opositores políticos, ora do facto de serem "contra-revolucionários" que fazem agitação política ao serviço de interesses imperialistas. Ora são maus porque não são políticos, mas delinquentes de direito comum; ora são péssimos porque assumem posições políticas nefandas.
A conclusão, escondida mas com o rabo de fora, é que a ditadura não reconhece a diferença entre a criminalidade e a oposição política. O que é motivo bastante para nos solidarizarmos com os perseguidos.
Quanto à posição do Rafael sobre a democraticidade sui generis do regime cubano é insustentável.
Sem dúvida, a democracia não só não implica como exclui o exercício do poder político através da representação partidária. A democracia é o exercício do poder pelos cidadãos organizados, e os cidadãos delegados para certas funções específicas são, não representantes de partidos ou de nações - são mandatados pelo conjunto dos cidadãos e responsáveis perante a sua auto-organização.
Mas em Cuba o poder político é exercido superiormente pelo Partido, por mais que este ausculte as bases e encoraje a sua participação dependente. Não é verdade que o poder político não seja exercido através de uma forma partidária. É-o, através de um partido único.
Dizer isto não basta, todavia. É preciso acrescentar que se a democracia exclui o monopólio ou privilégio dos partidos e representantes partidários no exercício do poder, também não há democracia sem liberdade de associação política. Uma coisa é que não sejam representantes dos partidos (submetidos à disciplina destes, etc.) a exercer o poder político, pois a democracia não reconhece poderes a delegados que não sejam mandatados pelos cidadãos e responsáveis perante estes. Outra coisa é que os cidadãos não se possam associar, formar partidos se assim o entenderem, organizar-se em correntes de opinião e assim por diante. É inconcebível que sem esta liberdade de associação e de expressão não se mantenham, no fundamental, expropriados do poder de deliberar e decidir que é condição do auto-governo. Nem todas as argúcias "pós-modernistas de resistência" do mais douto São Boaventura podem fazer valer o contrário.
Saudações democráticas
msp
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