20.7.10

Ainda sobre o livro de Mário Brochado Coelho e a Cooperativa Confronto


Como tinha anunciado, a sessão de lançamento teve lugar ontem, no Porto.
Apenas um apontamento. Absolutamente notável o número de pessoas que estiveram presentes, em sessão nocturna de tempo de férias: bem mais de 100, não muito menos do que 150, pelas minhas contas. O grande peso na audiência era de protagonistas da vida da Cooperativa, descrita e exaustivamente documentada no livro: uma espécie de nova reunião de sócios quarenta anos mais tarde, a que só faltaram os agentes da PIDE (sempre disfarçadamente presentes no passado, como é sabido…).

Junto ao resumo feito pelo autor, que já transcrevi, uma mensagem que Nuno Teotónio Pereira, impossibilitado de estar presente por motivos de saúde, me fez chegar e que ontem li. Também alguns excertos do Prefácio do livro, que me serviram de base à apresentação que fiz do mesmo.

Por ocasião do lançamento do livro sobre a Cooperativa Confronto

Numa altura em que se tornavam cada vez mais nefastos os efeitos da ditadura, que a guerra colonial não cessava de agravar, os portugueses viam-se impedidos de discutir todos os seus problemas, devido a uma implacável censura à imprensa e à vigilância e repressão da polícia política.

Foi neste contexto que surgiu a ideia de ampliar a acção das cooperativas no sentido do debate sobre estas situações.

O Cooperativismo tinha algumas fortes raízes em certos meios, um pouco por todo o país. Basta lembrar a centenária Cooperativa dos Pedreiros Portuenses. Pelo facto de se dedicar apenas a tarefas de carácter económico (ao contrário do que acontecia com todo o tipo de associações), as suas organizações eram dispensadas de verem os respectivos Estatutos e Corpos Sociais aprovados pelo Governo. Foi esta circunstância que possibilitou a promoção de acções e debates, no âmbito do Cooperativismo, desfrutando de uma certa liberdade.

No Porto, a exemplo do que já acontecera em Lisboa com a cooperativa Pragma, foi criada a “Confronto”, animada por uma forte determinação em romper a muralha de silêncio que a ditadura impunha. Foi neste âmbito que tive a oportunidade de participar num debate sobre a gravidade da situação habitacional em que viviam as classes trabalhadoras.

É a história deste movimento que nos conta a presente publicação, para que não fique esquecida nas brumas do passado, pois as suas corajosas acções e iniciativas muito favoreceram a eclosão do 25 de Abril.

Nuno Teotónio Pereira, Lisboa, 19 de Julho de 2010



Excertos do Prefácio

A década de 60 do século passado e os anos que se seguiram até ao 25 de Abril foram vividos com uma intensidade extrema, com grandes entusiasmos e dolorosas rupturas, corresponderam ao canto do cisne da ditadura sem que então o pudéssemos adivinhar, embora vivêssemos em permanente estado de alerta na esperança constantemente alimentada de que o fim do pesadelo não demoraria a acontecer. Vivemos esses tempos dia a dia, etapa a etapa, em pequenas lutas seguidas de outras por vezes ainda menores, mas tendo a certeza de que um dia acordaríamos num país livre onde poderíamos finalmente ter uma vida normal. (…)

Chego assim à Confronto e a este livro que é um resultado notável de um esforço que se adivinha ter sido hercúleo: a recolha sistemática de documentos e de testemunhos, que permitiu a reconstituição, detalhadíssima, da vida de uma instituição fulcral durante os seus seis anos da sua existência. (…)

Quando Mário Brochado Coelho me pediu para escrever este Prefácio, estranhei mas aceitei imediatamente, sem a mínima hesitação. À primeira leitura, entendi a razão do convite porque a fascinante história desta cooperativa, e de todo o contexto em que se inseriu durante os anos em que funcionou, revela a realidade, a Norte, de muito que se passou também em Lisboa e em que, pessoalmente, estive muito envolvida – com alguns desfasamentos no tempo, inevitáveis diferenças e uns tantos condicionalismos específicos. E dessa leitura resultou uma descoberta, impressionante e simultaneamente terrível: o desconhecimento que tinha de muito do que li, nomeadamente da tal teia de instituições com que a Confronto se articulou no Porto, muito diferente do paralelo que existia então em Lisboa. (…) E isto por algo que os mais novos realizarão muito dificilmente, por mais que tentemos explicar: o que era viver sem os meios de comunicação de que dispomos hoje, numa situação agravada pela existência da censura, num desconhecimento inevitável que tínhamos do que acontecia mesmo no Porto (sem que sequer valha a pena referir a ignorância praticamente total sobre o que se passava no resto do país…).

Joana Lopes

(Na foto, primeira sede da Confronto.)
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2 comments:

Jorge Conceição disse...

Não é difícil de adivinhar a emoção em que estive durante toda a sessão de apresentação do livro. Confesso que, em pimeiro lugar, pela grande oportunidade que tive de reencontrar antigos amigos (alguns dos quais não via há 40 anos) juntamente com aqueles que felizmente vou encontrando com maoir frequência. Depois pela história da Confronto e pelas apresentações feitas. Claro que tenho observações críticas a fazer, o que é normal. Devo dizer, a este propósito (das observações crítticas), que elas se dirigem sobretudo para o meu amigo Zé Carlos, o que para mim é custoso e também um tanto surpreendente, atendendo à "aura" em que alguns de nós o puseram no passado. Mas...

Devo dizer, também, que comecei a ler o livro na viagem de regresso no combóio e que também aí encontrei algumas recordações incorrecta ou incompletamente relatadas ou lembradas, também bebidas nos testemunhos desse meu amigo. Mas, como foi referido, o livro é uma base que se quer motora de futuros desenvolimentos e correcções.

E - a verdade seja dida - as minhas observações acabam por ser de importância mínima, comparativamente com o trabalho agora feito neste livro do Mário Brochado.

(Na foto a sede que, então, não ocupava muito mais que uma sala grande do 1º andar do edifício, mas que tinha a vantagem de se situar pertíssimo do centro de gravidade da actividades universitárias - faculdades, cooperativa livreira, etc.).

Joana Lopes disse...

Da mesa, era fácil ver que havia emoção na sala. Inevitável e saudável: foram anos das vossas vidas, que regressaram em poucas horas.
Muito semelhante, nesse aspecto, ao lançamento do Brumas.